segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

She got our pain.

Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. Nem sei como lhe explicar minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. Depois que uma pessoa perde o respeito a si mesma e o respeito às suas próprias necessidades - depois disso fica-se um pouco um trapo.

Eu queria tanto, tanto estar junto de você e conversar e contar experiências minhas e dos outros. Você veria que há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Eu mesma não queria contar a você como estou agora, porque achei inútil. Pretendia apenas lhe contar o meu novo caráter, um mês antes de irmos para o Brasil, para você estar prevenida. Mas espero de tal forma que no navio ou avião que nos leva de volta eu me transforme instantaneamente na antiga que eu era, que talvez nem fosse necessário contar. Querida, quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi? Assim fiquei eu... em que pese a dura comparação... Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada, porque é quase repugnante. Espero que no navio que me leve de volta, só a idéia de ver você e de retomar um pouco minha vida - que não era maravilhosa mas era uma vida - eu me transforme inteiramente.

Uma amiga, um dia, encheu-se de coragem, como ela disse e me perguntou: "Você era muito diferente, não era?". Ela disse que me achava ardente e vibrante, e que quando me encontrou agora se disse: ou esta calma excessiva é uma atitude ou então ela mudou tanto que parece quase irreconhecível. Uma outra pessoa disse que eu me movo com lassidão de mulher de cinqüenta anos. Tudo isso você não vai ver nem sentir, queira Deus. Não haveria necessidade de lhe dizer, então. Mas não pude deixar de querer lhe mostrar o que pode acontecer com uma pessoa que fez pacto com todos, e que se esqueceu de que o nó vital de uma pessoa deve ser respeitado. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você - pelo amor de Deus, não queira fazer de você mesma uma pessoa perfeita - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse o único meio de viver.

Juro por Deus que se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia - será punida e irá para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Espero em Deus que você acredite em mim. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Isso seria uma lição para mim. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade de alma. Tua, Clarice.

(Carta à irmã Tania Kaufmann, Berna, 2 de janeiro de 1947)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

a enunciação da localização geográfica de nossos corpos é só uma parte da história. é quase um aparato metafórico para o que realmente importa. os nossos jogos de migrações e permanências são bem mais complexos e eles não têm nada a ver nem com limites, nem com dissolver nossas vidas em idéias. ao contrario. são bem reais. são outras formas de experimentar a liberdade. e a destruição é o começo de tudo.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

the boxer

eu falei com o meu pai sobre simon & garfunkel e ele me disse que sua preferida era mrs. robinson. combina mesmo com ele. mas ambos reconheceram quando eu cantei the boxer. essa semana eu encanei com essa musica. quando ela aparecia era como se a vitrola quisesse me dizer algo. quando eu resolvi prestar atenção na letra, eu entendi que era mesmo a musica sincronicamente colocada no momento certo. eu me assustei e você achou normal. com o fato de que há 40 anos alguém cantou a mesma coisa que cantamos hoje. chegamos todos às mesmas conclusões e elas não são tão triviais assim. eu só me pergunto se isso aconteceu mesmo há 40 anos ou tudo está acontecendo agora. pensando bem me parece natural que o passado simplesmente não exista fora do presente. que só exista o presente e por isso se uma frase dita há 40 anos salta agora da minha vitrola é porque na verdade essa frase está sendo dita agora. ela só existe no exato momento em que chega até mim. e para entender isso vc primeiro pensa no conceito de comunicação e na dependência intrínseca de bilateralidade. e em seguida faz ele atravessar o tempo. para um anjo cantar, é preciso que alguém esteja disposto a ouvi-lo. e isso é atemporal. dizer coisas que um dia soarão familiares e reconfortantes para alguém ao lado de sua vitrola é ser eterno. e para correr o risco de ser eterno basta dizer. basta se arriscar a dizer algo para já não se ter controle sobre a finitude da própria existência. mas de todo o jeito, ainda que não se admita tão explicitamente, nós não temos mesmo muito controle sobre a nossa existência. por isso eu não me assusto quando descobrimos aos poucos nossas vidas repetindo vidas de 40 anos atrás. ou quando descobrimos nossos olhares nos olhos do cantor folk ou nos olhos azuis da garota que mora sozinha no brooklin e grava programas de rádio em duas vozes. não é à toa que um dos meus filmes preferidos é a dupla vida de veronique. e quem disse que meus olhos não são azuis-escuros?

viajar é ir verificar algo inexprimível que vem da alma, de um sonho ou de um pesadelo. eu li alguma vez alguém falando isso, e agora penso que também vale para quando viajamos no tempo. vale para quando queremos viver agora o que existiu há quarenta anos. ser o antes e o depois ao mesmo tempo, sem precisar começar de novo. pois se tempo é só deslocamento no espaço e estamos gritando para todo mundo que não dependemos disso; que a força do nosso pensamento é mais importante do que o espaço físico. então, é só seguir em qualquer direção. é só seguir acreditando nos prazeres platônicos de um mundo sem toques. ou de toques delicados, que voam no vento.

nada demais aconteceu com nós mesmos. no fundo seguimos os mesmos, diferentes. quando eu era criança e ouvia alguém dizendo que tinha mais de trinta, não estava no meu campo de possibilidades imaginar eu mesma com essa idade. eu não podia imaginar um monte de coisas. não faz muito tempo que as coisas com as quais eu sonhava só existiam no tempo de um suspiro. mas agora é como se o tempo congelasse bem no momento desse suspiro. elas existem e, ao contrário do que eu pensava, tudo continua igual. notamos isso quando eu ainda não havia ouvido the boxer direito. sim, é preciso prestar atenção nas letras também. vc se sentia normal
diante do extraordinário e me perguntava se isso estava certo. normal, eu acho que isso significa apenas que mudamos tanto que agora conseguimos ver o que somos. e ser. “é preciso permanecer para mudar”, vc diz e eu concordo. eu também diria que precisamos mudar para permanecer. nada mudou desde que eles compuseram the boxer em 1968 ou desde que eles a cantaram no central park. em 81. embora tudo esteja diferente. now the years are rolling by me, they are rocking even me, i am older than i once was, and younger than i’ll be, that’s not unusual, no it isn’t strange, after changes upon changes, we are more or less the same…

não, eu também não acho estranho.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009



can you imagine us
years from today,
sharing a park bench quietly?

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Låt den rätte komma in


“Seja eu um pouquinho”. É só isso que Eli pede a Oskar. É só disso que um amor precisa. Não é tão difícil assim amar, e só que às vezes as pessoas estão entretidas demais consigo mesmas. Ou simplesmente não querem olhar. Evitam a decepção, como se pudessem evitar os dias de frio. Como se fosse melhor se proteger deles. Mas isso é para aqueles que têm expectativas demais. Que não estão realmente suscetíveis ao outro. Que não conseguem descobrir a beleza dos jardins secos nos tempos de neve. A vantagem de ser um garoto de doze anos que apanha na escola é a de não haver alarmes, nem julgamentos. Talvez seja mais fácil entender o que é amizade e amor de verdade quando vc já foi um deles. Porque viver no mundo das pessoas não-ideais é não precisar fazer perguntas demais e não precisar explicar. Simplesmente entender. Simplesmente aparecer para não passar sozinho uma noite escura. Dar-se mãos mesmo que isso não se encaixe em nada. E não se encaixar não muda nada. Tá tudo certo. Tá tudo certo entre aqueles que ficam em silêncio, nunca sabem direito o que dizer, mas acabam dizendo tudo só com um abraço. No mundo das pessoas não-ideais nós nos sentimos protegidos pela fraqueza do outro. Não duvidamos que o fantástico pode mesmo existir e desejamos incondicionalmente o real.

sábado, 10 de outubro de 2009

isolation


quando vocês foram embora, john continuou dizendo que não acreditava em nada. só nele mesmo. nós já havíamos falado das vantagens da imanência e do homem condenado a sua própria liberdade. e daqueles que não aguentam e preferem lamentar a própria vida e sentirem-se presos nela por ordem de deus ou do destino. formas transcendentais, que aliviam o peso da responsabilidade e que a transformam em culpa. e a culpa nesses casos parece algo muito arbitrário, que vem de fora. provavelmente de alguma igreja. i don't expect you to understand, ele canta. after you caused so much pain; but then again you're not to blame. porque conseguir ou não olhar o outro não tem afinal nada a ver com culpa. tem a ver com o presente. tem a ver com vencer o obstáculo sempre presente das palavras não ditas. a agressividade que no outro é tristeza e que deveriam ser ambas chamadas de amor. você de pé e nós sem saber o que fazer, nos perguntando ao mesmo tempo: what am i supposed to do? what am i supposed to be? nunca seremos. nunca seremos a mesma coisa para cada um de nós. porque eu sou diferente da projeção que você faz de mim e o que eu quero dizer é diferente do que o que você entende que eu digo - isso é inevitável. ainda que pareçamos simétricos do seu ponto de vista, isso é só uma ilusão de ótica. ainda que eu tente antecipar as imagens do que vc vai entender a partir do que eu digo, eu nunca chegarei perto. é inclusive possível que eu me afaste de você. e isso seria ruim. por isso quando nos encontramos em algum lugar longínquo dentro da teia de significados, é quase um milagre. é algo que pode fugir rapidamente de nós, se não soubermos olhar. há coisas que ninguém pode ver e que portanto não sabemos se existe. e por mais estranho que pareça, isso é uma espécie de princípio de sanidade. garante que sempre haverá a possibilidade de aparecer algo surpreendente. possibilidades randômicas, como uma roleta russa. nunca saberemos a hora certa. a conversa foi desconectada porque as nossas cores nesta noite não eram nem complementares, nem pastéis. as cores pastéis podem conviver perfeitamente entre si o tempo todo. não ocorrerão dissonâncias. as cores fortes nem sempre. depende da posição no círculo cromático, assim como a posição dos astros. quer dizer que vai ter noites que quando elas se juntarem na mesma sala, em volta da mesma vitrola, não haverá harmonia cromática. a noite não será calma. a noite será boa, mas estranha. será intensa. ficaremos cansados. nossas retinas fatigadas. às vezes nos sentiremos isolados. e isso não é necessariamente ruim, porque nos alegraremos a cada encontro aleatório. isso quer dizer que vai ter um momento em que cada um vai dizer coisas desconexas, que cada um sentirá profundamente uma coisa diferente e não vamos nos entender mesmo. ninguém será culpado, nem responsável. mas por alguma razão você vai desistir de ir. vai tirar os sapatos, deixar a bolsa no canto e sentar-se no sofá novamente. isso é conseguir ver o outro mesmo quando o fog está denso. o vinil acaba de tocar e eu tenho preguiça de levantar para virar o lado. é que às vezes eu acho que nossos dramas são tão imaginários quanto a nossa felicidade. mas também pode ser exatamente o inverso.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

8/10


todo ano eu me lembro que foi hoje que mataram o che guevara. nós costumávamos lembrar disso na época de faculdade e sair para beber. nós, poucos. mas sempre. continuei lembrando dessa data em todos os outubros e já faz quase dez. e só este ano eu descobri que meu avô também morreu nesse dia. este ano fui ao cemitério com a minha mãe e minha irmã, sentamos em frente à sepultura dos meus avós e tomamos sol. nos pareceu um lugar adequado para um picnic. me pareceu adequado sair para comemorar a morte, porque é exatamente a mesma coisa que comemorar a vida. eu me surpreendi qdo olhei essa data marcada em relevo na lápide do meu avô. um conjunto de números, que formavam um palíndromo exato com o dia do meu aniversário. não precisávamos ser tão literais, né, vô? mas sempre tem o dia em que vc vira os seus antepassados. o dia em que sua família vira seus heróis. e que seus heróis viram sua família.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

home



Eu entro no horoscope for free, preencho todos os campos requeridos e ele me diz para confiar na minha intuição. Sou apenas eu e minha intuição agora. Em seguida, entro no site da previsão do tempo, digito lajeado, RS e ele me dá a previsão do tempo do Alabama, AL. Coincidência ou destino? Tanto faz: eu poderia ir para qualquer lugar agora. Não me importaria pegar o avião errado. A contrapartida da vulnerabilidade é te deixar suscetível a qualquer coisa. Aproveite. Você segue a coincidência e o destino e quando acordar pode estar em Lajeado, RS ou no Alabama, Al ou sozinha no seu quarto escuro iluminando aos poucos partes do seu corpo com uma lanterna. Fixação visual. Todos os sentidos me fazendo entender que a realidade não é algo que se desprega do meu corpo. É apenas algo que acaricia a ponta dos meus dedos e se torna a segunda pele de mim mesma. Eu encontrei esse texto no bloco de notas do meu iphone e já faz quase dez dias. De lá pra cá eu descobri que coincidência e destino na verdade têm nomes próprios. E eu os sigo porque me fazem voar quando corremos de mãos dadas.

domingo, 30 de agosto de 2009

Meu mundo Thelonious Monk's blues

Eu sinto nostalgia das manhãs em que fazíamos yoga olhando para a torre de tv da alexanderplatz. Sempre que meus olhos passavam sem querer por ela eu os fazia voltar e olhar bem fixo para o alto da torre para ter certeza de que aquela visão era real. E ao mirar o alto da torre cercado pela névoa fria daquele inverno, eu sempre duvidada do real. Eu fazia questão de dedicar um tempo para me maravilhar com a cotidianeidade extraordinária de poder olhar, sem mais, a torre de tv da alexanderplatz numa manha de sábado nublada e fria. Com a dúvida persistente de viver como se estivesse em um sonho bom. Quando eu sentei em uma das cadeiras do jardim de luxemburgo, escorreguei o corpo para baixo para deitar a cabeça no encosto, acomodei os pés na cadeira da frente e finalmente fechei os olhos para sentir o sol esquentando o meu rosto, eu pensei a mesma coisa. Ficar atenta. Sentir todos os cheiros. Ouvir todos os sons. Sentir todas as sensações momentâneas para poder voltar a elas quando quiser. Seria um erro não dedicar tempo a isso. Perder a possibilidade real de fazer um filme só com o poder da memória. Agora eu penso na noite em que descobrimos a diferença entre nostalgia e saudades. Sentimos nostalgia de coisas que sabemos que não voltaremos a ter. Revisitamos determinados momentos, com a consciência de ser apenas visitantes. A consciência de não os poder tocar mais. A nostalgia não tem nem o apego nem a ansiedade da saudade. É um sentimento resignado. E isso não é ruim, é calmo. É como ouvir um blues de thelonious monk: pleno.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

cioran

é que neste mês eu perdi a cama de ar que me protegia na hora da queda. e ao alcançar o chão gelado eu tive que tentar manter meu corpo aquecido sozinha. sem abraços e sem aquecimento a gás. descobri que se vc respirar bem fundo a respiração que aprende a fazer na aula de yoga, vai manter o seu corpo aquecido. vai até chegar a produzir energia apenas com a contração dos seus músculos. é que para viver precisamos de bem menos do que pensamos. menos comida, menos espaço, menos dinheiro, menos trabalho e menos companhia. e isso é bom porque é uma forma de independência. uma forma de se afirmar como algo um pouco menos determinado pelas necessidades biológicas. e eu me pergunto se isso é possível. e eu me pergunto se isso é necessário. eu gosto cada vez mais de ser apenas um corpo. eu conheci alguém cujo sonho é viver de luz e achei isso bonito. alguém que leva a vida apegado a um sonho que é chegar ao grau máximo do desapego e por isso é alguém certamente paradoxal. eu estou sempre pronta para amar pessoas paradoxais. porque é como se as duas pontas dos nossos paradoxos se encontrassem em algum lugar e produzissem um som calmo. hj eu falei para o meu analista sobre as minhas ambivalências. eu digo ambivalência e ele diz divisão. mas eu não tive tempo de explicar para ele que não há divisão quando tudo é apenas a mesma coisa vista de pontos de vista diferentes ou em diferentes contextos. não é preciso compreender física quantica para entender as várias dimensões da nossa existência. não há uma garota partida ao meio como se fosse um filme do chabrol. isto não é um filme. quase tudo no mundo dos vivos é ambivalente e os bons filmes apenas tentam imitar isso. há sempre a possibilidade de se surpreender. de que algo aconteça por acaso ou coincidência. e isso reverbera de um jeito diferente se vc encostar o seu ouvido no chão. se apesar do frio, tentar ouvir as oscilações conduzidas pelo material de que é feito o chão. a única coisa que me dá medo dessa história de viver de luz é de repente não conseguir mais sair do metabolismo basal. viver no metabolismo basal me assusta porque não é bom, nem ruim, nem ambivalente. é simplesmente neutro. e essa nao é uma característica humana, embora chamem isso de vida. agora: se vc vive em metabolismo basal mesmo fazendo todas as suas refeições, isso é muito pior. porque vc está a um passo de começar a acumular coisas estranhas no seu corpo. toxinas, gorduras, tristezas. é bom vc começar logo a fazer exercício ou arrumar um sonho que consuma suas energias. e no momento seguinte vc vai se reconhecer quando alguém citar um poema de cioran dizendo que a solidão é o afrodisíaco da alma.

domingo, 16 de agosto de 2009

morro gaúcho


hoje eu fui na praça ver o pôr-do-sol. eu fiquei feliz quando descobri que poderia ter desde esta praça a mesma vista que tínhamos de nossa varanda. apenas em outro ângulo. é como se eu pudesse vir aqui revisitar o meu passado, sem ter que voltar a ele. é como estender meu pano na grama, sentar, deixar as pupilas se ajustarem ao horizonte, respirar fundo o ar seco da cidade para então olhar eu própria à distancia, antes. a praça estava lotada. quando faz calor, há mais gente na praça. e menos casacos de inverno. nada se compara à liberdade de não precisar de roupas pesando nos ombros. a temperatura finalmente subindo. olhar para o céu bem grande acima de você e pensar que nada te separa da atmosfera. que a pressão do céu bate diretamente e de forma macia na sua pele. encosta nos pelos do seu braço e produz uma espécie de cansaço nos músculos. as pessoas formavam pequenos clusters espalhados pelo gramado íngreme da praça. cachorros, crianças, mochilas, livros. ipods. cervejas. pessoas sentadas. pessoas deitadas. pessoas de pé. uma mulher que não se cansava de ouvir a própria voz. o grupo de operários da construção civil entre os garotos da classe media de pinheiros. uma paisagem que não parecia deslocada no contexto da praça. as conversas às vezes se misturaram. os olhares às vezes se cruzavaram. faltam poucos minutos para o sol se por. mas dá para ter pelo menos meia-hora a mais de dia depois que ele se vai e as pessoas o aplaudem. eu gosto de viver até o final a meia hora depois que o sol se põe. um pôr-do-sol é como um ritual de homenagem aos fins. pois eles são tão importantes quanto os começos. e parafraseando o filme eu me perguntei quantos pôr-de-sóis mais eu assitirei na vida? eu me imaginei protegida pela beleza daquele céu laranja-amarelo-azul-claro-azul-escuro e não tive medo da resposta. foi como se apenas essa visão já valesse a pena. a resposta à minha pergunta vai ser a que tiver que ser. na minha cabeça toca naked if i want to.
uma mulher chega acompanhada de dois poodles. ele conta que eles costumam ter um temperamento estranho. no começo eles são muito ansiosos e passam alguns anos vivendo como se estivessem no auge de uma crise psicótica. mas depois de um tempo se transformam no cachorro mais inteligente e companheiro que há. talvez os poodles sejam só uma metáfora em um filme sobre comming of age na sociedade de hoje. talvez por isso tenham se tornado tão populares.
eu pensei nos domingos em que eu me sentava na nossa varanda e assistia ao pôr-do-sol enquanto vc dormia no quarto. o silêncio que representava uma calma que não existia. a lembrança desses pôr-de-sóis me pareceu triste e solitária. um lugar de onde as pessoas da praça não existem. nem os poodles, as crianças, as cervejas e os ipods. entender uma coisa apenas com um sentimento é como ter um calafrio que te faz sentir exatamente a relação entre a temperatura do seu corpo e a temperatura do ar.
eu tenho agora uma outra varanda. e é como se dela eu pudesse tocar tudo o que eu vejo. é sentir-me mais perto. onze andares mais perto da realidade. e a realidade não é ruim. de qualquer maneira, ter uma varanda é o que dá certeza de que vc escolheu viver. se vc tem uma varanda, leve uma almofada e um cobertor para lá. deite-se no chão fresco. ligue o seu ipod no modo shuffle e olhe o céu. haverá um momento em que donavan cantará the season of the witch só para você. depois belle & sebastian ressoará ao longo de toda a distancia que separa a sua varanda até o chão da rua: yes, she’s losing it.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

these boots are made for dancing



vc só é capaz de comprar botas de cowboy quando está sozinha e não tem ninguém olhando. vc sempre quis ter botas de cowboy, mas nunca teve coragem de. vc sempre achou que não combinava com vc ou com o que os outros imaginam de vc. mas quando não se tem nada a perder - nada a perder na definição de janis joplin - vc entra decidida na primeira loja em cuja vitrine há botas de cowboy marrons, com franjas e detalhes em couro sintético imitando o pelo de algum animal. vc desfila pela loja e repara no tamanho da sua bunda, quando espia o espelho de canto de olho. mas já nem liga mais muito para isso. afinal, trata-se apenas de sentir se as botas são confortáveis. sim, são forradas por dentro. sinal de maturidade. 5 x sem juros no cartão. estão em promoção. e logo vc estará dançando o seu próprio aniversário, vendo o mundo de um angulo um pouco diferente. o som atravessando o seu corpo. cada nota deslocando uma certa quantidade de ar. pura mecânica de deslocamentos. os agudos são mais fracos e podem ser facilmente desviados ou absorvidos. por isso, o ideal é que eles corram pelo teto, enquanto os graves circulam entre nossos pés e nos une em passos de dança sincronizados. nossos ouvidos captam apenas um determinado intervalo de freqüência e o que está abaixo ou acima disso nos atravessou de outro jeito naquela noite. tudo aquilo que nossos ouvidos ignoraram se movimentou livremente pelos cômodos do meu apartamento. passou deslocando pequenas porções de ar e chegou aos nossos corpos como se fosse um toque leve de uma mão nervosa. algo que poderia ser uma carícia, quando as carícias ainda causam tremor. emitir emoção física em forma de corrente de energia é um jeito lindo de se comunicar. é contar uma história que atravessa a roupa, passa direto pela pele e ressoa na parede interna dos nossos órgãos. é contar uma história sem precisar pensar no emprego correto das palavras ou nas conjugações verbais. sem reduzí-la a teses bem fundamentadas sobre o mundo. quando vc sente o som ressoando dentro do seu corpo, vc sabe que o volume pode não fazer bem aos tímpanos. vc sabe que os vizinhos reclamarão. mas vc apenas fecha os olhos e entende que é assim que é quando a luz começa a respirar.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

a maldição de um inferno astral bem-sucedido é não conseguir falar. os dedos batendo inutilmente contra a calça jeans. pensando nas palavras que eu não digitei. nas músicas que eu não toquei. no toque que só alcançou a fumaça. a representação perfeita daquilo que desaparece quando eu me aproximo. quase tudo, afinal. isso pode durar uma eternidade ou até amanhã. eu não tenho pressa. eu espero. wintering in a dark without windows. e levantando de vez em quando para acionar o ebulidor e preparar uma xícara de chá. e atravessando de volta a sala em que eu nunca estive. decorada com objetos chineses assimetricamente dispostos. e pensando em me livrar deles. andando de meias pelo piso de madeira e deslizando sutilmente entre um passo e outro. the cold sets in. às vezes eu penso que só as mulheres sentem frio. a janela embaçando por dentro e eu perdendo os meus contornos. me tornando invisível em uma rotina que não interessa a ninguém. habitar um mundo inteiramente branco é não conseguir distinguir a neve da areia fina. eu me pergunto: por que começar um novo ano? talvez a melhor razão seja justamente não saber responder. eu respiro fundo e me pergunto se estou cheirando a medo. eu exalo perdendo calor. eu olho para o céu e reparo que as nuvens se parecem com cicatrizes. não importa. o que eu quero dizer com tudo isso é só um silêncio.

domingo, 12 de julho de 2009








a igualdade é branca. ou: a vingança é um prato que se come frio e na polônia.

domingo, 5 de julho de 2009

Terminal Rodoviário Tietê: standing on the corner, suitcase in my hand, jack is in his corset and jane is in her vest. i'm in a rock n' roll band.

Pessoas morrem. Golpes militares acontecem. Mais um semestre termina. Tudo isso é a vida normal, que quando fica insuportável preferimos dizer que não é vida normal. Preferimos acreditar que se trata de um momento qualquer de exceção que já vai passar. Como se quando a vida normal voltar a reinar, seremos mais felizes. Quando as mentiras que contamos para nós mesmos se tornam insustentáveis, é preciso descanso. É preciso distância. É preciso pegar a linha verde até o paraíso e depois a linha azul até o terminal rodoviário tietê.
Agora tem três mulheres negras sentadas na minha frente. Elas são gordas e usam roupas largas e coloridas. Uma delas, a de cachecol quadriculado, lê uma revista e mexe os lábios, pronunciando silenciosamente cada palavra. Como se o silêncio que ela pronuncia a ajudasse a se concentrar. O silêncio nunca nos ajuda a concentrar. Ao contrario. O garoto e seu avô sentam lado a lado e olham para o mesmo lugar vazio. Não se falam. São representações vivas das gerações unidas por vazios e faltas. São muito magros. Silêncio não é nem vazio e nem falta. E não podemos olhar para ele.
Uma musica bem alta vem dos alto-falantes e o som ecoa nas paredes de concreto desta rodoviária. A luz cinza do dia entra pelo teto e as pessoas caminham calmamente pelo saguão. Aqui todo mundo parece ter mais tempo e menos pressa do que as pessoas que andam pelo saguão do aeroporto. Aqui as pessoas são mais coloridas. Aqui tempo não é dinheiro. Toca Elvis e uma das senhoras negras que ocupa duas cadeiras de espera junto à plataforma trinta e dois acompanha o ritmo da musica com o pé. Depois take a walk on the wild side e ela pára de mexer o pé. Uma seleção musical inusitada e eu penso se é comum ter musica ambiente nesse tipo de lugar. Nesse momento a minha memória confunde música ambiente com a música que vem do ipod e eu não chego a nenhuma conclusão. Esse lugar só pode ser muito incomum ou comum demais.
Uma frutaria vende sucos naturais de muitos sabores diferentes e aqui a regra é o suco vir com açúcar. Se vc não quiser que o suco venha com açúcar, é preciso falar isso muitas vezes para a moça que está te atendendo. Uma moça muito magra.
Saio a procura de um guarda-chuva, pois acabo de ser informada de que chove em Paraty e que acabaram todos os guarda-chuvas da cidade. O dia em que todos os guarda-chuvas de uma cidade se acabam deve ser um dia importante. Chove aqui também. Chove em toda a parte em que ontem fez sol. Mas eu me sinto menos suscetível às mudanças climáticas. Talvez graças a você. Agora o sentido dos dias cinzas é pensar em não me lamentar por eles. Lamentar me parece agora um sentimento inútil. Assim como arrepender-se.
O ônibus parte e eu me sinto em casa cruzando a Avenida Cruzeiro do Sul. Eu me sinto em casa quando passo em frente de um letreiro que diz Estrela do Araguaia Norte Bar e Lanches. É sempre mais fácil partir no momento em que já se partiu do que quando se imagina partir. Eu faço planos de viver mais on the road. E penso em vc falando sobre a necessidade de fazer uma viagem beatnik e achando que é mais difícil do que é. Uma viagem beatnik deve ser necessariamente uma viagem sem planejamento, por isso ela tem que acontecer no exato momento em que vc decide ir. Quando estiver em dúvida olhe para as palavras escritas no seu braço direito. Sim, eu te contarei as palavras mais bonitas que ouvir. Eu falarei sobre tudo na próxima vez que estivermos sentados no tapete da sala. Menos sobre a cerveja que teríamos tomado juntos. Menos sobre o beque que teríamos fumado juntos. Menos sobre os nossos passos truncados andando nas ruas da cidade antiga. Eu também não te contarei sobre o sol, porque não haverá sol.
O motorista do ônibus se chama Adaílson e pede para que todos usem cinto de segurança. Cintos de segurança e guarda-chuvas são objetos da mesma classe e eu tenho ambos ao alcance das mãos neste momento. Eu nunca tenho um guarda-chuva por perto quando realmente preciso. E por isso aprendi a gostar de ter que improvisar algo para me proteger assim que a primeira gota de chuva cai do céu. Abdicar de portar objetos de proteção é também uma forma de desapego e eu finalmente entendi que toda forma de desapego é sinal de maturidade.
Não há transito na marginal. O barulho que vem de fora parece o barulho do mar calmo. Agora eu não tenho que fazer mais nada. Reclinar a poltrona. Colocar o fone de ouvido. Escolher sigur ros para tocar. Fechar os olhos e sentir o cheiro do mar. O mar de verdade.

Três dias passam rápido. O tempo exato para fazer a expectativa se transformar em fotos não tiradas e banho de mar não tomado. A paisagem vista do banco de trás do carro. A curva que passa pelo cemitério São Francisco de Assis e nos leva diretamente para a cidade. Distâncias percorríveis à pé. O cheiro do mar e as garrafas de água vazias jogadas na praça da matriz. No fim da festa, o que há de mais belo e mais sujo se acumula ao lado da homenagem ao Hamlet. Três é sempre um número perigoso e há sempre o risco de magoar e ser magoado

Quando estávamos voltando, ele contava sobre uma montanha que se rachou e de dentro dela brotou um rio. Uma quantidade de água grande e forte que arrastou animais, destruiu casas e interditou a estrada que liga Paraty a Cunha. Eu nunca imaginei que a montanha fosse feita de água. Eu nunca imaginei que a montanha represasse um rio bravo dentro de si. E nem que ela poderia um dia simplesmente rachar para poder chorar. A montanha é mais uma das nossas idealizações. Precisamos acreditar que quando não agüentarmos mais seguir por conta própria, haverá sempre algo mais forte do que nós, pronto para nos proteger. Isso é quando não queremos enxergar a fragilidade do outro. Isso é quando superdimensionamos a nossa.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

brasília


quando o dia amanhece cinza e chuvoso convém sempre lembrar que é possivel fugir em direção ao sol. eu voei uma hora e meia para longe da chuva em direcao a um dia ensolarado e quente no planalto central. essa cidade sempre me surpreende por sua estranheza. eu me pergunto que tipo de pessoa pensou construir uma cidade assim? a pretensão de alguém que achou que podia criar a vida artificialmente. uma vida inabitavel. distâncias intransitáveis para pés descalços. os campos planos e verdes cortados por formas inusitadas, geométricas. anti-naturais. a coragem do homem querendo provar que a razão vence a natureza. que o cálculo preciso e a estrutura dos materiais podem superar a beleza de um pôr-do-sol. um projeto que se revela melancólico na fachada de um prédio sem janelas. há uma tese por trás de cada edifício. como se fosse possível viver só de argumentos. brasília é a materialização da modernidade. é uma maquete triste de um projeto belo e inacabado.
durante a reunião de hoje, enquanto eu olhava o horizonte pela janela de vidro, enquanto as carpas nadavam no lago artificial que cerca o edifício e o funcionário do cafezinho entrava na sala fazendo a louça tilintar de forma pouco sútil, um homem branco de barba aparada e terno bem passado contava que uma vez um índio bravo lhe apontou uma flecha para que seu argumento contra a construção de uma hidrelétrica fosse ouvido: os peixes não podem morrer, porque os peixes seguram o rio. e o rio segura o céu. e é o céu que segura o mundo. então sem os peixes, o mundo vai acabar. o índio sabe que nunca será ouvido sem a flecha. e que a flecha já perdeu a batalha para a pólvora há muito tempo.
no pulso esquerdo bang-bang.
agora eu volto para a cidade de céu cinza. não se pode ficar muito tempo acima das nuvens, onde sempre há sol. essa é a nossa condição na terra. acabo de saber que michael jackson morreu. o homem que havia dominado a natureza sucumbe a ela.
o horizonte alaranjado sempre está nos esperando ao fim de cada dia. mesmo que não possamos olhar para ele. mesmo que não queiramos olhar para ele.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

segunda-feira ao sol.

hoje a moça da padaria disse que um dos meus olhos estava menor que o outro. e me perguntou se havia acontecido algo. eu achei que pudesse ser terçol. um doença que eu nunca tive, mas sempre tive medo de pegar na escola. depois me lembrei que talvez pudesse ser o olho inchado depois da noite de ontem. em uma noite triste e fria de domingo sempre se corre o risco de chorar. mas eu me pergunto se é possível que eu tenha chorado mais com o olho direito do que com o esquerdo. e se isso pode fazer alguma diferença no tipo de choro que a gente chora. assim como há diferença quando se chora de alegria ou de tristeza. eu pensei em prestar atenção da próxima vez para ver se eu choro porções equânimes de lágrimas por cada olho ou não. eu não acho ruim acumular conhecimento sobre esse tema. é como aprender a se agasalhar no inverno. compressa de algodão com camomila diminui o inchaço do olho e deixa um cheirinho bom na pele. sempre há espaço para que pequenos prazeres sobrevivam em períodos ruins. talvez eu tenha dormido com o livro colado no lado direito do meu rosto e apenas não havia ninguém aqui para colocar o livro na mesa de cabeceira depois que eu pegasse no sono. mas eu não me importei com o comentário dela. nada mais pode me atingir depois que descobri aos trinta anos que sofro de um leve estrabismo. que dependendo do dia pode se tornar grave e notável. aos trinta anos eu também descobri que queria aprender a tocar piano e hoje fui à escola de música para fazer a primeira gravação de eu tocando. toquei três musicas. errei a segunda parte da última delas e pedi para voltar. gravei de novo e deu tudo certo. tocar certo aquelas três musicas era o melhor que podia acontecer no dia de hoje. e no final aconteceu. as manhãs de segunda-feira sempre são melhores que as noites de domingo. a espera é sempre pior do que o que realmente é quando o que realmente é chega. ou pelo menos quando chega aquilo que pensamos ser o que realmente é. de qualquer modo, a questão é que não vale a pena sofrer por antecipação. e muito menos tentar prevenir o sofrimento. prevenir um sofrimento é fazê-lo existir apenas com a força da imaginação. e uma vez que ele existe, daí você é obrigado a sofrê-lo. prevenir é não dar a chance para que o sofrimento não apareça. é antecipar a dor só porque não se consegue conviver com a incerteza. mas é impossível fugir da dúvida nos dias de hoje. sobrevivemos ao fim das tradições e das religiões e à destruição de todas as certezas da ciência. ou seja, nada é capaz de explicar o que vivemos. e aprender a conviver com a incerteza provavelmente será a única vantagem evolutiva importante deste século. eu já não ouço passarinhos às segundas-feiras. do meu novo quarto eu ouço o barulho da rua começando cedo e as pessoas saindo de suas casas para irem trabalhar. para um passarinho voar, ele precisa da asa certa, da pressão certa e do ângulo certo e eu acho que a essas pessoas só faz falta o ângulo certo. muita coisa no mundo depende dos ângulos, mas eu nunca mais tive um compasso no estojo desde o terceiro colegial. não ter um compasso no estojo é o mesmo que não ter mais um relógio de pulso. é olhar de frente o desconhecido e não ter medo de ser fotografado. a beleza é apenas uma questão de estar no ângulo certo quando se é fotografado. eu procuro um resto de calor no cobertor enquanto posso dormir mais um pouco. depois saio andando no sol até a padaria e a semana já não me assusta. é bem capaz que o tamanho dos meus olhos tenha se equalizado depois do café. quando eu tomo o meu primeiro café do dia é como se o meu cérebro inchasse de tamanho. como uma bexiga murcha recebendo ar. a professora de piano disse que vai me passar o arquivo da minha gravação em mp3 na semana que vem e eu fiquei ansiosa. o garoto que iria entrar para gravar depois de mim devia ter uns dez anos e estava tão impaciente quanto eu. naquele momento não havia diferença alguma entre eu e o garoto de dez anos. inclusive nós dois usávamos moletons azul marinho de zíper e carregávamos o mesmo livro. eu queria saber se ele iria tocar a música 21 e 22, assim como eu, mas acabei ficando com vergonha de perguntar. de qualquer modo, tecnicamente estávamos ali pelo mesmo motivo. é muito bom saber que se pode ter dez anos de novo aos trinta. é como nascer de novo já com dentes e sabendo falar. dessa vez eu nasci sem medo de errar. eu não liguei de ter errado a segunda parte da última musica. não haverá conseqüências. a professora disse que vai editar a gravação e eu vou ficar só com a parte boa. errar é como sentir o terreno. deslizar a mão para fora da janela para ver se agüentaremos o frio. e ficar com a parte boa no final.

domingo, 21 de junho de 2009

sunday sadness


é domingo à noite de novo. e eu penso que as noites de domingo não deveriam existir. agora somos apenas pequenas bolhas de solidão espalhadas no espaço. cada um de nós tentando se esconder da escuridão embaixo da luz amarela de uma luminária de mesa. cada um de nós tentando se esconder do silêncio no som que vem do shuffle de nossos ipods. cada um de nós tentando se esconder do vazio nas lembranças de um dia em que fomos felizes. cada um de nós tentando encontrar sentido para as horas de insônia nas telas brancas de nossos computadores. se temos tudo isso em comum, porque então não estamos juntos agora? vc diz que estar junto não é físico e eu preciso acreditar nisso. desafiar a matéria e torcer para esse pensamento não me abandonar nesta noite fria de domingo. eu fecho os olhos e paro de respirar até esta noite passar. ou até o próximo vento me arrastar em sua direção.

sentimental journey ou o ponto final do terminal pirituba

O relógio da cozinha parou. Diz que são onze da noite. Mas eu sei que muita coisa aconteceu desde que o ponteiro chegou às onze e resolveu ficar. A vela queimou até metade. As garrafas se esvaziaram. Ouvimos todos os vinis novos. E mais uma vez os vinis velhos. A voz de Janis nos visitou muitas vezes. Eu tenho a impressão de que viramos o disco mais de uma vez sem perceber. Em um movimento inconsciente de apego. Porque quando temos medo de nos despedir é sempre bom acreditar que há um lado a mais a ser ouvido. Depois a fumaça do nosso cigarro inundou o espaço que fica entre a luz vermelha e as nossas cabeças e nosso raciocínio percorreu caminhos novos e nos fez rir de coisas que já não lembramos mais. Já deve passar de quatro. Vocês acabaram de ir embora. Uma despedida que não deveria ter acontecido e eu não estou com sono. Eu já tive sono nesta noite, quando meus olhos quase fecharam e eu vi vc desaparecendo na minha frente. Mas eu já entendi que o movimento do sono chegando até nós não é linear, nem constante. Eu decido lavar a louça e dessa vez isso não é um ato de auto-destruição ou tendente a suscitar comiseracão. Não há ninguém aqui para me ver lavando a louça e dizer para eu deixar para amanhã Eu simplesmente quis lavar a louça. Sentir a água fresca escorrendo pelos dedos. A sensação boa da louca limpa se acumulando do lado esquerdo da pia. Escolhi Smiths. Lavar a louça ouvindo Smiths no meio da madrugada de uma noite fria era o melhor que eu podia fazer. Era tudo o que eu tinha e não me pareceu pouco. Todas as músicas desse disco são boas. Eu o ouço desde que tenho 14 anos e por isso já não há surpresas. Eu me reconforto ao ouvir essa voz triste mais uma vez. O caminho que a agulha faz no disco é o mesmo, mas o som saindo da caixa já não encontra as mesmas coisas. Quando chega até mim, percorreu outros caminhos, tocou outras superfícies e carrega uma poeira nova, de outra cor. If it’s not love, then it’s the bomb that will bring us together. A frase censurada é dita mais uma vez. Ela explica muito mais que a guerra fria ou o terrorismo. E eu penso que o amor não consegue mesmo manter pessoas juntas por muito tempo. Isso é uma realidade. A minha realidade agora é ouvir Smiths, terminar calmamente a louça, folhear um livro, fazer um chá e decidir escrever. Aqui nesta casa é como se fosse quatro da tarde. O relógio da cozinha está parado mesmo e eu posso inventar as horas. Eu entendi recentemente que a divisão do tempo em horas é arbitrária e não deveria ter tanto significado em nossas vidas. Eu descobri faz pouco tempo que as horas foram uma invenção dos monges beneditinos, que queriam criar uma disciplina rígida para o trabalho deles no mosteiro. E isso me fez finalmente entender que devemos viver menos como monges beneditinos e seguir mais o nosso próprio tempo. Saber a hora é querer uma segurança que não existe. O meu relógio de pulso quebrou e eu quase perdi o rumo há um mês atrás. Viver sob a falsa impressão de que há um rumo a ser seguido e uma hora certa a se chegar em algum lugar é repetir uma lição que deve estar em algum dos contos dos irmãos Grimm. E devemos sempre duvidar das lições dos irmãos Grimm. Mas só agora estou me acostumando com a incerteza. Acho que acabamos nos acostumando com tudo e isso deve ser uma vantagem evolutiva da nossa espécie. A pior parte é conviver com a memória. Seria tudo mais fácil se ela não existisse. A memória é ao mesmo tempo o pior e o melhor de nossas vidas. Eu não sentiria saudades, se simplesmente não me lembrasse. O firefox forecast pula na minha tela e me diz o tempo em Freiburg. Eu nunca mudei o aplicativo do meu computador desde que voltei de lá e isso já faz quase seis meses. É uma forma de viver um pouco a vida de lá. É uma forma de viver um pouco a vida que eu já vivi. Há uma densa neblina no céu de Freiburg neste momento e eu sou apenas uma garota mal agasalhada voltando para casa de bicicleta no meio da madrugada. O meu rosto cortando o vento gelado. As minhas mãos congelando no guidão e o silencio da floresta atrás de mim. Aqui o Terminal Pirituba passa mais uma vez. Praticamente vazio, sem se dar conta. Será que algum dia o Terminal Pirituba vai se cansar de dar voltas pela cidade vazia e vai resolver parar, assim como o ponteiro do relógio? Será que algum dia perceberemos que fazemos movimentos inúteis e pararemos sem mais? Eu me lembro do corredor iluminado com luz fria, os quatro andares de escada e o carpete verde do meu quarto. As nossas colagens tentando dar algum sentido para a existência daquelas paredes brancas. Lembrar dessas noites frias é melhor do que vivê-las. E eu decido que chegou a hora de mudar de uma vez por todas a programação do aplicativo da previsão do tempo. Eu quero que ele me diga que temperatura faz aqui e agora. Eu acabo de entender que não faz sentido habitar a memória. Porque agora faz 14 graus nesta cidade e é aqui que eu vivo. Aqui sou só eu, a minha louça lavada, o aquecedor que exala um vento quente na minha cara e a minha xícara fumegante de chá de camomila. Agora sou só eu ouvindo Smiths na sala da minha casa e o barulho do Terminal Pirituba passando ao fundo. Agora eu entendo o que a Janis realmente quis dizer quando entrou mais de uma vez nesta sala para cantar que freedom's just another word for nothing left to lose.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

mude-se

renda-se, como eu me rendi. mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.

domingo, 7 de junho de 2009

Todas as noite de domingo te fazem mentir. A lua estava bonita na noite de hoje, mas quase ninguém viu. Você também não viu. Não. Não é para você que estou falando. Não leve tudo tão a serio e não dê tanta importância para as certezas da vida. 
O final de domingo pode ser um suspiro. Como agüentar submerso o sufoco de um fim de semana. “Não espere tudo da lua” – ela é muito mais maléfica do que a gente podia imaginar.
É que simplesmente eu acho que precisamos comemorar tudo o que temos para comemorar. É uma questão de foco. Mas às vezes a lua cheia mostra o seu lado negro, e aí não tem o que fazer.
Talvez seja uma questão de respeito a ela na primeira noite em que ela chega. Ela precisa de muita atenção. Assim vou compreendendo um pouco mais sobre os rituais que você um dia fez. Deveríamos prestar mais atenção aos rituais para onde fomos jogados. Talvez eles não sejam tão fúteis assim. Talvez ele tenham te tornado refém. A lua usa artimanhas inesperadas para conquistar seguidores.
Nas noite de lua cheia é emanar uma sensação de quando ela for boa.
Você reparou as pessoas na noite de hoje?
Alguma coisa estava diferente, mas nós estávamos preparados.
No topo do hotel as janelas ofuscavam a cidade à nossa volta. As torres de alta tensão no topo da paulista. O vento gelado. O Ibirapuera quase ao lado.
Nos abraçamos vitoriosos de mais um ciclo. Quando olhamos para o alto, no meio do céu, ela flutuava. Um mar de nuvens brancas prestes a engoli-la por inteira. Quando a primeira nuvem explodir de calor, o mundo terá chegado ao fim.
Qual será a real função de um visionário?
Qual será o motivo de um filme bom?
É preciso organizar os armários. Jogar fora as roupas desnecessárias. Os olhares sem significado. As palavras que não deviam ser ditas. Mas para onde vão as roupas que não queremos mais usar? Por que todas as nossas roupas foram usadas por alguém antes de nós?
Mas de vez em quando as nossas mesas encontram sentido. As vozes ganham volume e os copos encontram sentido. Depois os gelos derretem. Os guardanapos derretem. Os olhares caem para as próprias mãos esfregando os dedos para não congelar. Nem tudo o que é sólido pode derreter. Não superestime as pessoas à nossa volta.
A bíblia que eles escrevem tem as letras de neon. Estamos longe no espaço. Não no tempo. O tempo é sempre maior do que tudo. 

terça-feira, 2 de junho de 2009

winnipeg, colorado






há um vôo saindo para winnipeg vinte e cinco minutos depois do meu. e eu me pergunto se winnipeg existe no mapa ou se é apenas o nome genérico desse tipo de cidade que eu ando gostando de visitar ultimamente. cidades pequenas, situadas no interior de algum estado de importância geográfica secundaria, de onde eu posso ver campos alaranjados, plantações e horizonte cor de rosa no final da tarde. onde o ar é mais limpo e o céu mais claro. onde se pode andar em caminhos de terra traçados entre as árvores até um pico de onde se vê o vale, a cidade bem pequena ao fundo, um conjunto de montanhas à direita e o sol se ponto à esquerda. é como se houvesse uma passagem secreta ligando todos esses lugares, de onde se pode passar diretamente de um hemisfério ao outro como se estivéssemos navegando em uma conexão rápida de internet. não que eu ache que isso seja algo sobrenatural. eu apenas acredito no poder do silêncio e do relaxamento das pupilas para nos levar para bem perto de nós mesmos.

eu poderia entrar nesse avião que vai para winnipeg ou em qualquer um dos vôos que partem deste aeroporto internacional na próxima hora. eu poderia passar alguns dias em qualquer que seja o lugar para onde eles me levem. eu poderia ficar aqui e ir amanhã ao show ao ar livre do leonard cohen no red rock amphitheatre. ou esperar o the killers tocar aqui no próximo mês e no meio tempo tentar subir em mais um dos 55 picos ao redor de denver. também não seria difícil voltar para nyc só para ver a pj harvey no beacon theatre na semana que vem. há vôos para lá em todas as horas pares. as pessoas embarcando no portão ao lado estarão em frankfurt amanhã. poucas horas a separam de um passeio no fim da tarde ao longo do rio main ou de um dia calmo em uma das bibliotecas públicas mais lindas que eu já conheci. estar em um aeroporto te faz lembrar da quantidade enorme de opções de lugares para passar os próximos dias. talvez seja recomendável que visitemos um aeroporto internacional de vez em quando. as pessoas andam apressadas de um lado para o outro. o soldado americano carregando sua mochila imensa caminha com o orgulho de um derrotado. e eu penso que se eu escolhi entrar nesse vôo que sai em dez minutos para washington e depois me levará direto para são paulo é porque eu escolhi abrir mão do leonard cohen tocando ao ar livre em plena primavera no meio das montanhas vermelhas, do killers, da pj harvey, do rio main e da biblioteca pública cheia de vidros de onde se vê o jardim florido. e isso quer dizer que realmente tem que valer a pena voltar.

o aeroporto internacional de denver fica a quarenta minutos da cidade e no meio de um campo quase desértico. é um deserto em sentido técnico, mas não é um deserto de areia como imaginamos toda a vez que pronunciamos essa palavra. o prédio do aeroporto é uma estrutura metálica que surge de repente no meio de um campo amarelo e interrompe a seqüência infinita de nuvens brancas no céu azul turquesa. é certamente um estranho para a arquitetura local feita de estábulos de madeira escura e povoada prioritariamente por cavalos e búfalos. há pássaros cortando o céu, mas eu não sei se eles vivem aqui ou estão de passagem. além de mim, do motorista do táxi e dos passageiros que ocupavam os poucos carros que nos ultrapassaram no caminho, eu não vi mais nenhum ser humano ocupando essa paisagem infinita. é possível que o deserto invada o aeroporto em bem pouco tempo. o vento aos poucos traria a terra para dentro desse saguão e ela se acumularia a partir dos cantos, com a conivência das faxineiras mexicanas. eu acho que de alguma forma isso já começou a acontecer porque qualquer um que se sentar em uma das cadeiras da área de embarque do terminal b e olhar para cima verá que os passarinhos já tomaram esse prédio de carpete cinza, vidros fume e ar condicionado controlando a temperatura ambiente. eles voam calmamente de um saguão para o outro, pousam nas cadeiras ao lado da janela, alimentam-se das migalhas que as crianças deixam cair de seus sanduíches e eventualmente cantam. às vezes eles deixam escapar um som tão alto que podem ser confundidos com o som do alto falante. mas por enquanto poucas pessoas parecem notar essa ocupação silenciosa. em dez dias, essa é a primeira exceção que eu encontro a algo que se pode denominar uma terra sem sutilezas. e não me surpreende o fato de que ela não tenha nada a ver com a civilização local.

se vc algum dia vier para denver, colorado, entenderá exatamente o que é a ausência de meio-tons. tudo aqui funciona por contraste, como o clima no deserto. você morrerá de calor e sede durante o dia e quando sair na rua à noite usando roupas leves vai sentir o seu corpo realmente congelando. no primeiro dia vai entender que é assim que funciona o clima no deserto e que todo o resto segue exatamente a mesma dinâmica. essa parece ser a regra básica para se acostumar com esse lugar: tudo muda muito rápido e drasticamente. o dia pode amanhecer azul e em menos de meia hora chover uma tempestade cinza escura com raios e trovões. e o sol certamente voltará a aparecer em menos de um quarto de hora depois que as últimas gotas de chuva cairem. se você andar pela cidade, vai cruzar cowboys autênticos e cinco minutos depois quase ser atropelado por um garoto de boné, calça baixa e camiseta surrada com a estampa de uma banda indie rock andando de skate pela calçada de cimento. alguns bares estarão cheios, haverá musica alta, pessoas bebendo cerveja e rindo alto e um bloco adiante a rua estará absolutamente vazia e quieta como se a cidade toda já estivesse dormindo. há muito vento por aqui. e muitas mudanças podem vir com o vento. ou com as empresas de petróleo. ou com as políticas de desenvolvimento regional. gary me explicou que recentemente houve uma tax policy do governo do estado que fez com que muitas empresas se mudassem da califórnia para cá. empresas de tecnologia e de energia, que aparentemente impactaram a economia local anteriormente movida por agricultura e pecuária. parece que desde que o ouro daqui acabou, no século dezenove, nada de muito significativo havia acontecido, exceto os filmes de john wayne. mas agora denver tem um centro financeiro com prédios altos de vidros espelhados, lojas de marcas internacionais e homens de terno circulando apressadamente pelas ruas durante os horários comerciais. mas se vc se afastar desses quarteirões chiques e andar dez quadras até a 7th street vai encontrar um bairro inteiro com prédios velhos de tijolos marrons corroídos e bares que se chamam shelby’s ou the fainting goat. e vai ver que o western e os búfalos ainda estão na raiz desse lugar. vai conversar com gente que conta que pela manhã seus cachorros quase foram comidos pelos coyotes. pessoas que não tomam banho há algum tempo e que vão te contar sobre os shows de rock que elas presenciaram no final dos anos 60, quando grateful dead e jefferson airplane tocaram no teatro a céu aberto. você vai ver mulheres negras obesas, com quadris enormes, ainda que as estatísticas nacionais digam que o colorado é o estado americano com a menor proporção de obesos na população. você certamente simpatizará com os ídolos e mitos locais: o índio sioux, o cowboy que masca um pedaço de grama no canto da boca e o astronauta john jack que pisou na lua pela primeira vez. você vai acabar achando que o colorado tem muito mais a ver com a cidade de onde você veio do que você imagina. eles também comem muita carne e bebem em excesso. vomitam na calçada, andam de carro e terminam a noite vendo o sol nascer em algum dos morros que rodeiam a cidade. sentindo-se tão reais quanto o ar frio da manhã.

domingo, 31 de maio de 2009

sábado, 30 de maio de 2009

sexta-feira, 29 de maio de 2009

b-sides and scratches

i always try to figure out what is the reality people want to put upon our faces. what exactly are they talking about? i think they are just losing a lot of verses and will never catch up. i feel sorry for them, but that’s how our world works. if everybody understood what is blowing in the wind, things would maybe not work. not in the way they want it to work. but i just quit this issue. have no more hope of changing the mainstream. i don't want riots anymore. i would maybe try to tell some few people that they might be forgetting to shift to the b side and they might want to listen to it instead of losing their tunes very soon. if they don’t care, i won’t care also. i know most people find it hard to focus on b sides and invisible people. just like they don’t pay much attention to sunsets and the darkness that comes just after it. it’s ok, it’s just that i dont feel like changing my grip. and i dont think you should ever do that. we can keep on listening to the sea everywhere. even when we are awake. it’s more like you’ve been working in the light of the day and then you see one day that it’s getting dark early. that it doesn’t matter where you are, it won’t do any good. nothing can do any good to certain things. that’s why we are trying to live our lives and not willing to create legends. and if we do the right thing now, we will keep the ability to reflect our light even in the night. we will hand the mirrors up and everything will still be ok. it's not a complicated thing. it's just that i’m dying for a drink and a very cold bath that wakes me up to my reality.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

city of glass

estou sentada em um café em denver downtown. uma excursão de crianças brancas que usam boné acabou de entrar. elas fazem fila para comprar e a atendente chama cada um de buddy. ela vai falar buddy umas cem vezes até todos os moleques comprarem seus cookies. bob dylan toca desde que eu entrei e o garçom magro de uniforme vinho que anda pelo salão a procura de pratos a serem recolhidos canta a letra de suas musicas baixinho. assim como eu. talvez eu entenda exatamente o alcance do folk aqui. eu tenho que esperar quatro horas até ter um quarto de hotel e estou achando bom ter horas para gastar e não correr o risco de querer utilizá-las. poder observar calmamente os hábitos da população local. os velhos aqui usam cabelo cumprido, barba branca e camisa xadrez. na verdade muita gente aqui usa camisa xadrez. menos as mulheres. talvez aqui eu entenda o alcance da camisa xadrez. o café americano é sempre decepcionante, mas aprendi que se comparado ao café expresso, na mesma quantidade, o café americano tem mais cafeína. mesmo sendo mais aguado. tem algo a ver com a forma de extração. sempre podemos nos surpreender com o trivial. até proust ficou famoso por dizer o trivial: a descoberta é ver a mesma coisa com olhos diferentes. aqui o sol é forte e eu vejo as montanhas com picos de neve ao redor da cidade. quatro horas de avião de nyc até aqui e foi como ter mudado de continente. um continente em que há 300 days of sunshine a year, com coyotes, alces e cowboys. e não é um parque temático. vc me pergunta o que eu achei de nyc e eu não sei te responder. ou eu nunca vou conseguir entender o seu alcance ou eu já entendi tudo. apesar das armadilhas, eu gostei de estar ali. eu comi o melhor cheese cake de todos os tempos e vi uma quantidade estúpida de quadros caros e famosos. eu andei chapada pelo parque e dormi na grama. eu fui ao maior e mais organizado sebo que eu já vi na vida (strand bookstore, na broadway, esquina com a 12) e saí de lá pensando em parar de trabalhar para começar a ler agora tudo o que me interessa ler. poderia vestir minhas roupas da american appareil, morar em williamsburg e passar o dia todo lendo no parque. quando cansasse tomaria suco orgânico de maça e gengibre e contemplaria de longe a ponte, a água e o aglomerado de prédios de manhattan. ontem eu andei pelo village e senti uma espécie de nostalgia imaginaria. todos os nossos ídolos moraram no village nos anos 60 e tropeçavam naqueles degraus da frente dos seus prédios quando chegavam bêbados no meio da madrugada. eu andei por uma rua com um milhão de escolas de yogas e lojas de produtos naturais e pensei que nos adaptaríamos bem a esse modo de vida. pode ser pura prepotência minha, mas o fato é que nyc não me surpreendeu. poderíamos nos mudar para lá amanhã e seguir nossas vidas naturalmente with no alarms and no surprises. repetiríamos os mesmos hábitos, correríamos no parque, compraríamos orgânicos, comeríamos salmão em alguns restaurantes bons. seríamos proust ao contrario? haveria festival de cinema. compraríamos vinis e livros. com a única diferença de que tudo isso seria mais acessível e mais barato. porque há mais restaurantes vegetarianos e mais lugares que vende café com leite com leite de soja. uma questão de escala simplesmente. eu acho que a única diferença real é a de que seríamos menos julgados. o melhor dessa cidade parece ser a sensação de liberdade. a liberdade de não ser julgado. ou de não ser visto. mas talvez eu nunca saiba dizer o que eu achei desta cidade porque eu não me deixei penetrar por ela. andei por ela com a certeza de quem atravessa de patins uma superfície de gelo. com o desinteresse de quem já a conhece. com a solidão de quem já tem a si mesmo. com a frieza de quem está triste.

terça-feira, 26 de maio de 2009

segunda-feira, 25 de maio de 2009

nyc


quando eu embarquei sozinha para a viagem que planejamos fazer juntos eu pensei: ou eu estou segurando sozinha o arco da promessa ou não há mais promessa.
*
hoje eu pisei pela primeira vez em manhattan e apenas andei sem direçao definida. em menos de meia hora, quatro pessoas me abordaram para para perguntar informaçoes sobre o caminho. ou eu me camuflo muito bem na civilização local ou agora eu ando com a certeza de quem sabe para onde vai.
*
eu andei o dia todo por ruas que não têm nenhum significado para mim. que não têm passado e nem futuro. que desaparecem quando eu cruzo o sinal e passo para o quarteirão seguinte. eu achei que andaria a procura de pedaços de mim pelos cantos. mas eu simplesmente não tenho a menor esperança de encontrá-los aqui.
*
quando senti fome, entrei num restaurante bom e pedi table for one. comi um peixe no ponto certo, um hot cake de chocolate e uma garrafa de vinho californiano. me levei para jantar. e a companhia estava tão agradável que eu nem percebi o tempo passar. eu olhei em volta e achei que a minha mesa era a mais divertida do restaurante. eu não quis estar em nenhum outro lugar. não é preciso promessas.
*
don't think twice, it's all right.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

empty spaces


Now I have only one thing left to do: nothing. I don't want any belongings, any memories. No friends, no love. Those are all traps.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Nós que nos amávamos tanto

Ontem eu almocei com um velho amigo. Fomos os melhores amigos durante os cinco anos de faculdade. Nos conhecemos quando nossos olhos ainda assustados se reconheceram no barulho dos corredores cheios. A ansiedade reverberante de todos aqueles adolescentes querendo virar adultos e a nossa timidez se tornando cúmplices. Descobrimos juntos o que gostaríamos de ler, os filmes que nos atrairiam, as posições políticas que defenderíamos, os pequenos hábitos no centro da cidade, os sebos e os livros antigos, as longas conversas que poderiam durar toda a tarde em um café qualquer ou no pátio vazio da faculdade. Os planos de um futuro incerto. Depois sem saber muito bem por que não nos vimos mais e já faz quase dez anos. Mas ontem eu te olhei e era como se fosse a semana passada. Por trás do seu terno, do seu filho, dos nossos empregos, dos nossos casamentos, tínhamos ainda os mesmos olhares assustados e a mesma ansiedade de quem ainda não entendeu direito o que é ser adulto. De quem ainda espera por um futuro incerto, que pode não vir. E isso já não nos causa medo. Já não somos mais tímidos. Já não falamos dos mesmos assuntos, mas nos entendemos sem reparar no abismo que deixamos para trás. Não somos mais os mesmos e isso não importa. Somos dois estranhos que não precisam ser apresentados. Você entendeu quando eu falei sobre a solidão profunda intrínseca e intransponível que eu não quero mais esconder. E eu fiquei feliz porque a minha solidão reencontrou a sua.

domingo, 3 de maio de 2009

for the good days

domingo

uma TV ligada na casa e a voz de fundo do locutor do futebol. a louça do almoço de domingo toda lavada e bem posicionada no escorredor. eu no quarto tentando estar em outro lugar. isso me lembra a casa dos meus pais nos domingos à tarde. de vez em quanto a vizinhança comemora um gol e eu nem me abalo. ouço gritos e fogos com a indiferença de quem comemora sem expectativas o fim de um ano ruim. dez anos se passaram e eu me sinto no mesmo lugar sendo outra. quantas vezes mais sentirei essa sensação sendo outra? quantos domingos mais eu passarei esperando a hora de partir?

sexta-feira, 1 de maio de 2009

la chute

eu sou uma dessas pessoas em queda-livre tentando segurar em cordas que já foram cortadas. eu queria que alguém aparecesse para segurar a corda, mas acho que isso acontece apenas nos filmes do homem aranha. e eu não sou a louis lane. fuck.
a sensação da queda livre é bastante paradoxal. o abismo é a mais comum representação da morte, mas a adrenalina da queda intensifica todas as sensações de vida. a vida segura e sem adrenalina é a morte em seu disfarce mais comum. não é preciso ser um gênio para desvendá-la. mas é preciso ter coragem para dizê-lo. foi o inconsciente que disse tudo primeiro. e nós o seguimos como garotos bobos que não entendem o que fazem. que se deixam seduzir pelos garotos mais experientes, que têm tatuagem, fumam na rua e nos olham de cima. no fundo, eles cobiçam a nossa inocência. mas não agüentariam voltar para casa para fazer a lição de matemática. o que a gente demorou para perceber é que isso sim é arriscar a vida. eu só torço para que haja algo lá embaixo para amortecer a queda. mas se não tiver, não importa mais. eu acho que consigo agüentar a dor dos ossos se quebrando.

se você for de são paulo não leia esse texto.

Acordei cedo. Não gosto de ter uma gripe rondando o meu corpo. Faz tempo que não saio de casa para quase nada. Vou ao yoga. Corro no parque no meio da tarde e caminho um pouco pelas ruas que compõe o quadrado da minha casa. Tenho evitado metrô. Ônibus. Estou sem carro e isso não é tão ruim. Tenho amigos bons. Amigos com carro. Amigos que eu conheço  há muitos anos. E cada vez mais eu tenho certeza de que o melhor é ficar em casa com esses amigos. Os copos andam sujos demais. A cerveja não é a melhor pedida e essa cidade não presta nas noites antes dos grandes feriados. Mas eu tento. Eu sempre acredito que pode ser legal.

Como quando você está em casa e se depara com Gal Costa cantando “Dê um Rolê”. Impossível não acreditar se é ela quem diz que a vida é boa. É preciso estar atento às datas das canções. Aprendo isso um pouco mais a cada dia. Se alguém te diz “não se assuste pessoa se eu lhe disser que a vida é boa” por favor entenda que isso foi escrito em mil novecentos e setenta e pouco e isso já faz parte do passado. Atente às canções de agora. Por mais vazias que elas possam ser.

Mas às vezes ficamos desatentos e a desatenção é um perigo. Sim. São Paulo é uma selva e eu estou longe daqui faz muito tempo. Não me acostumei. E não pretendo me acostumar a essa cidade.

Pegar o metrô às seis da tarde pode ser quente demais. Mas sempre tem uma menina que também poderia simplesmente ser a sua musa. Talvez eu devesse ter simplesmente seguido a menina bonita que estava no mesmo vagão que eu. De vez em quando ela desviava os olhos do livro e ela tinha olhos de coelho assustado e eu pensei em Alice. Em seguir simplesmente alguém sem saber onde eu poderia chegar. Eu fazia isso quando cheguei aqui. Nas festas eu escolhia uma pessoa para seguir. E não seguia apenas dentro do salão. Uma vez caminhei da augusta até depois da Vila Mariana. Até São Judas. E valeu à pena. Ganhei uma amiga. Até hoje, depois do sexo, depois dos beijos, depois das perseguições, o que perseverou foi um tipo de amizade que nos une para sempre. Éramos quase adolescentes. Somos para sempre adolescentes. Mas brincar de gato e rato ainda é coisa para os mais novos.

Mas você sai na estação Consolação e a menina continua lendo o seu livro e a vontade que implica você ter para sair de um metrô precisa ser grande demais. Cada espaço, por menor que seja, implica contato. Cada passo é um contrario à direção de alguém. Mas eu atravessei o mar quente de pessoas feias e cheguei à superfície. No alto da paulista respirei o ar pesado da noite de ontem. E não foi bom. Não é bom. Olhei para o céu, mas não dava para ver muita coisa. Entrei no Banco do Brasil. Saquei sem medo de ser roubado com sorriso nos lábios. O dinheiro é o passaporte para a felicidade. Trate de ganhar o seu se quiser continuar aqui.

Depois Livraria Cultura. O livro de correspondências da Clarice Lispector. A identificação imediata com quase todas as linhas. Sentado na pequena sala de estar esqueci o mundo por dez paginas antes de encontrar uma menina. Uma menina que nasceu lá longe onde eu nasci. Uma menina que era minha colega de escola e que hoje tem o seu escritório de arquitetura em algum lugar bem alto dos prédios bonitos da avenida paulista. Atravessamos as ruas na direção do centro. As mesmas pessoas subindo a Augusta. Os mesmos papos entre nós dois. O mesmo conflito de nove meses atrás. Depois um kebab. Aproveitar cada mordida. Nada como comer em São Paulo. Nada como pagar em São Paulo.

Depois caminhar mais um pouco. Descer sempre mais. receber chamadas. Atender chamadas. Escrever mensagens. O mundo sempre se surpreende quando tudo o que você deveria fazer é voltar para casa. Mas você pede mais uma cerveja e é claro que mais uma cerveja e sempre mais uma cerveja. Alguma coisa dentro de mim dizendo que vinho ainda é melhor. Que o tapete da minha sala está mais limpo do que a calçada onde crianças brincam e sujam o mesmo ar que respiramos. Peço à dona do bar que toque mais uma vez “Maria Bethânia”, a canção que Caetano fez no exílio. Mas a dona do bar responde que não lembra em qual disco ela havia gravado essa canção e, na verdade, ela não sabe sobre qual musica estou falando e canto um pedaço mas a expressão do seu rosto continua a mesma. Me olhando como quem perde tempo. Aqui sou apenas uma bêbado inconveniente. Um bêbado inconveniente que bebe cerveja cara e experimenta um rodízio de amigos. Quando ela me olha assim eu sei que eu deveria estar em casa. Ouvindo as minhas musicas. Bebendo nos meus copos. Com todos os telefones desligados. É assim que os gênios criam suas grandes obras. Não tenho o menor saco para cronistas urbanos e menos ainda para filosofia de mesa de bar. Mas às vezes a gente esquece. E cai na armadilha mais perigosa. A armadilha da desatenção. Dos goles feitos de inércia. Dos olhares carregados da mais pura verdade: aqui não sou ninguém.