domingo, 30 de agosto de 2009

Meu mundo Thelonious Monk's blues

Eu sinto nostalgia das manhãs em que fazíamos yoga olhando para a torre de tv da alexanderplatz. Sempre que meus olhos passavam sem querer por ela eu os fazia voltar e olhar bem fixo para o alto da torre para ter certeza de que aquela visão era real. E ao mirar o alto da torre cercado pela névoa fria daquele inverno, eu sempre duvidada do real. Eu fazia questão de dedicar um tempo para me maravilhar com a cotidianeidade extraordinária de poder olhar, sem mais, a torre de tv da alexanderplatz numa manha de sábado nublada e fria. Com a dúvida persistente de viver como se estivesse em um sonho bom. Quando eu sentei em uma das cadeiras do jardim de luxemburgo, escorreguei o corpo para baixo para deitar a cabeça no encosto, acomodei os pés na cadeira da frente e finalmente fechei os olhos para sentir o sol esquentando o meu rosto, eu pensei a mesma coisa. Ficar atenta. Sentir todos os cheiros. Ouvir todos os sons. Sentir todas as sensações momentâneas para poder voltar a elas quando quiser. Seria um erro não dedicar tempo a isso. Perder a possibilidade real de fazer um filme só com o poder da memória. Agora eu penso na noite em que descobrimos a diferença entre nostalgia e saudades. Sentimos nostalgia de coisas que sabemos que não voltaremos a ter. Revisitamos determinados momentos, com a consciência de ser apenas visitantes. A consciência de não os poder tocar mais. A nostalgia não tem nem o apego nem a ansiedade da saudade. É um sentimento resignado. E isso não é ruim, é calmo. É como ouvir um blues de thelonious monk: pleno.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

cioran

é que neste mês eu perdi a cama de ar que me protegia na hora da queda. e ao alcançar o chão gelado eu tive que tentar manter meu corpo aquecido sozinha. sem abraços e sem aquecimento a gás. descobri que se vc respirar bem fundo a respiração que aprende a fazer na aula de yoga, vai manter o seu corpo aquecido. vai até chegar a produzir energia apenas com a contração dos seus músculos. é que para viver precisamos de bem menos do que pensamos. menos comida, menos espaço, menos dinheiro, menos trabalho e menos companhia. e isso é bom porque é uma forma de independência. uma forma de se afirmar como algo um pouco menos determinado pelas necessidades biológicas. e eu me pergunto se isso é possível. e eu me pergunto se isso é necessário. eu gosto cada vez mais de ser apenas um corpo. eu conheci alguém cujo sonho é viver de luz e achei isso bonito. alguém que leva a vida apegado a um sonho que é chegar ao grau máximo do desapego e por isso é alguém certamente paradoxal. eu estou sempre pronta para amar pessoas paradoxais. porque é como se as duas pontas dos nossos paradoxos se encontrassem em algum lugar e produzissem um som calmo. hj eu falei para o meu analista sobre as minhas ambivalências. eu digo ambivalência e ele diz divisão. mas eu não tive tempo de explicar para ele que não há divisão quando tudo é apenas a mesma coisa vista de pontos de vista diferentes ou em diferentes contextos. não é preciso compreender física quantica para entender as várias dimensões da nossa existência. não há uma garota partida ao meio como se fosse um filme do chabrol. isto não é um filme. quase tudo no mundo dos vivos é ambivalente e os bons filmes apenas tentam imitar isso. há sempre a possibilidade de se surpreender. de que algo aconteça por acaso ou coincidência. e isso reverbera de um jeito diferente se vc encostar o seu ouvido no chão. se apesar do frio, tentar ouvir as oscilações conduzidas pelo material de que é feito o chão. a única coisa que me dá medo dessa história de viver de luz é de repente não conseguir mais sair do metabolismo basal. viver no metabolismo basal me assusta porque não é bom, nem ruim, nem ambivalente. é simplesmente neutro. e essa nao é uma característica humana, embora chamem isso de vida. agora: se vc vive em metabolismo basal mesmo fazendo todas as suas refeições, isso é muito pior. porque vc está a um passo de começar a acumular coisas estranhas no seu corpo. toxinas, gorduras, tristezas. é bom vc começar logo a fazer exercício ou arrumar um sonho que consuma suas energias. e no momento seguinte vc vai se reconhecer quando alguém citar um poema de cioran dizendo que a solidão é o afrodisíaco da alma.

domingo, 16 de agosto de 2009

morro gaúcho


hoje eu fui na praça ver o pôr-do-sol. eu fiquei feliz quando descobri que poderia ter desde esta praça a mesma vista que tínhamos de nossa varanda. apenas em outro ângulo. é como se eu pudesse vir aqui revisitar o meu passado, sem ter que voltar a ele. é como estender meu pano na grama, sentar, deixar as pupilas se ajustarem ao horizonte, respirar fundo o ar seco da cidade para então olhar eu própria à distancia, antes. a praça estava lotada. quando faz calor, há mais gente na praça. e menos casacos de inverno. nada se compara à liberdade de não precisar de roupas pesando nos ombros. a temperatura finalmente subindo. olhar para o céu bem grande acima de você e pensar que nada te separa da atmosfera. que a pressão do céu bate diretamente e de forma macia na sua pele. encosta nos pelos do seu braço e produz uma espécie de cansaço nos músculos. as pessoas formavam pequenos clusters espalhados pelo gramado íngreme da praça. cachorros, crianças, mochilas, livros. ipods. cervejas. pessoas sentadas. pessoas deitadas. pessoas de pé. uma mulher que não se cansava de ouvir a própria voz. o grupo de operários da construção civil entre os garotos da classe media de pinheiros. uma paisagem que não parecia deslocada no contexto da praça. as conversas às vezes se misturaram. os olhares às vezes se cruzavaram. faltam poucos minutos para o sol se por. mas dá para ter pelo menos meia-hora a mais de dia depois que ele se vai e as pessoas o aplaudem. eu gosto de viver até o final a meia hora depois que o sol se põe. um pôr-do-sol é como um ritual de homenagem aos fins. pois eles são tão importantes quanto os começos. e parafraseando o filme eu me perguntei quantos pôr-de-sóis mais eu assitirei na vida? eu me imaginei protegida pela beleza daquele céu laranja-amarelo-azul-claro-azul-escuro e não tive medo da resposta. foi como se apenas essa visão já valesse a pena. a resposta à minha pergunta vai ser a que tiver que ser. na minha cabeça toca naked if i want to.
uma mulher chega acompanhada de dois poodles. ele conta que eles costumam ter um temperamento estranho. no começo eles são muito ansiosos e passam alguns anos vivendo como se estivessem no auge de uma crise psicótica. mas depois de um tempo se transformam no cachorro mais inteligente e companheiro que há. talvez os poodles sejam só uma metáfora em um filme sobre comming of age na sociedade de hoje. talvez por isso tenham se tornado tão populares.
eu pensei nos domingos em que eu me sentava na nossa varanda e assistia ao pôr-do-sol enquanto vc dormia no quarto. o silêncio que representava uma calma que não existia. a lembrança desses pôr-de-sóis me pareceu triste e solitária. um lugar de onde as pessoas da praça não existem. nem os poodles, as crianças, as cervejas e os ipods. entender uma coisa apenas com um sentimento é como ter um calafrio que te faz sentir exatamente a relação entre a temperatura do seu corpo e a temperatura do ar.
eu tenho agora uma outra varanda. e é como se dela eu pudesse tocar tudo o que eu vejo. é sentir-me mais perto. onze andares mais perto da realidade. e a realidade não é ruim. de qualquer maneira, ter uma varanda é o que dá certeza de que vc escolheu viver. se vc tem uma varanda, leve uma almofada e um cobertor para lá. deite-se no chão fresco. ligue o seu ipod no modo shuffle e olhe o céu. haverá um momento em que donavan cantará the season of the witch só para você. depois belle & sebastian ressoará ao longo de toda a distancia que separa a sua varanda até o chão da rua: yes, she’s losing it.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

these boots are made for dancing



vc só é capaz de comprar botas de cowboy quando está sozinha e não tem ninguém olhando. vc sempre quis ter botas de cowboy, mas nunca teve coragem de. vc sempre achou que não combinava com vc ou com o que os outros imaginam de vc. mas quando não se tem nada a perder - nada a perder na definição de janis joplin - vc entra decidida na primeira loja em cuja vitrine há botas de cowboy marrons, com franjas e detalhes em couro sintético imitando o pelo de algum animal. vc desfila pela loja e repara no tamanho da sua bunda, quando espia o espelho de canto de olho. mas já nem liga mais muito para isso. afinal, trata-se apenas de sentir se as botas são confortáveis. sim, são forradas por dentro. sinal de maturidade. 5 x sem juros no cartão. estão em promoção. e logo vc estará dançando o seu próprio aniversário, vendo o mundo de um angulo um pouco diferente. o som atravessando o seu corpo. cada nota deslocando uma certa quantidade de ar. pura mecânica de deslocamentos. os agudos são mais fracos e podem ser facilmente desviados ou absorvidos. por isso, o ideal é que eles corram pelo teto, enquanto os graves circulam entre nossos pés e nos une em passos de dança sincronizados. nossos ouvidos captam apenas um determinado intervalo de freqüência e o que está abaixo ou acima disso nos atravessou de outro jeito naquela noite. tudo aquilo que nossos ouvidos ignoraram se movimentou livremente pelos cômodos do meu apartamento. passou deslocando pequenas porções de ar e chegou aos nossos corpos como se fosse um toque leve de uma mão nervosa. algo que poderia ser uma carícia, quando as carícias ainda causam tremor. emitir emoção física em forma de corrente de energia é um jeito lindo de se comunicar. é contar uma história que atravessa a roupa, passa direto pela pele e ressoa na parede interna dos nossos órgãos. é contar uma história sem precisar pensar no emprego correto das palavras ou nas conjugações verbais. sem reduzí-la a teses bem fundamentadas sobre o mundo. quando vc sente o som ressoando dentro do seu corpo, vc sabe que o volume pode não fazer bem aos tímpanos. vc sabe que os vizinhos reclamarão. mas vc apenas fecha os olhos e entende que é assim que é quando a luz começa a respirar.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

a maldição de um inferno astral bem-sucedido é não conseguir falar. os dedos batendo inutilmente contra a calça jeans. pensando nas palavras que eu não digitei. nas músicas que eu não toquei. no toque que só alcançou a fumaça. a representação perfeita daquilo que desaparece quando eu me aproximo. quase tudo, afinal. isso pode durar uma eternidade ou até amanhã. eu não tenho pressa. eu espero. wintering in a dark without windows. e levantando de vez em quando para acionar o ebulidor e preparar uma xícara de chá. e atravessando de volta a sala em que eu nunca estive. decorada com objetos chineses assimetricamente dispostos. e pensando em me livrar deles. andando de meias pelo piso de madeira e deslizando sutilmente entre um passo e outro. the cold sets in. às vezes eu penso que só as mulheres sentem frio. a janela embaçando por dentro e eu perdendo os meus contornos. me tornando invisível em uma rotina que não interessa a ninguém. habitar um mundo inteiramente branco é não conseguir distinguir a neve da areia fina. eu me pergunto: por que começar um novo ano? talvez a melhor razão seja justamente não saber responder. eu respiro fundo e me pergunto se estou cheirando a medo. eu exalo perdendo calor. eu olho para o céu e reparo que as nuvens se parecem com cicatrizes. não importa. o que eu quero dizer com tudo isso é só um silêncio.