domingo, 20 de junho de 2010


- why don't you get lost?
- because i am already

enquanto isso eu lia na parede daquela escola uma frase da rosa luxemburgo que dizia: não estamos perdidos. pelo contrário, venceremos se não tivermos desaprendido a aprender.
vencer já não significa a mesma coisa hoje, mas talvez aprender sim. talvez aprender seja sempre a única coisa que resta.
quando chega o fim da semana, tudo o que eu tenho é não estar vencida e meu sangue latino. isso já é suficiente para não me incomodar com estar perdida. se vc tem pelo menos duas certezas, já não está tecnicamente perdida. não importa se a sua dor de estômago vem dos agrotóxicos que vc ingere ou é só angústia somatizada. esse é o tipo de coisa que não faz diferença. o que estão fazendo hoje os dominicanos filhos-da-puta que entregaram marighela também não. eles já estão todos tecnicamente mortos.
rosa luxemburgo virou o nome de uma das praças mais frias de se atravessar no inverno de berlim por causa da confluência de ventos. é também o lugar de onde vimos, mais de uma vez, a revoada de pássaros noturnos fazendo bagunça no céu. eles não eram sincronizados e os barulhos q faziam eram esquisitos, eram cantos desarmoniosos.
a lua quieta acima deles. as ruas quietas e vazias abaixo deles. e nós lá, parados, olhando para cima e deixando que a nossa última reserva de calor fosse finalmente roubada.
não, não desaprendemos a aprender.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Les parapluies de Cherbourg (ou, em português, os guarda-chuvas do amor) [für v.]





"Les hommes ne cessent pas de fabriquer une ombrelle qui les abrite, sur le dessous de laquelle ils tracent un firmament et écrivent leur conventions, leurs opinions ; mais le poète, l'artiste pratique une fente dans l'ombrelle, il déchire même le firmament, pour faire passer un peu du chaos libre et venteux et cadrer dans une brusque lumière une vision qui apparaît à travers la fente."

Gilles Deleuze § Felix Guattari, Qu'est-ce que la philosophie ?


era uma prova à nossa sincronicidade e eu corri o risco. porque um dos meus lugares preferidos de berlim é de uma beleza bem estranha. ou de uma feiura tamanha, que já virou beleza. a ponte sobre os trilhos de trem enferrujados, de onde se vêem prédios industriais de formas retas e cores desbotadas, muros pichados e sujeira preta por toda a parte. onde a neve já não é branca, porque a neve pisada diariamente por centenas de pessoas indo e voltando dos seus trabalhos e dos seus não trabalhos em friedrichshein não é a neve branca dos parques onde as crianças de prenzlauerberg andam de trenó. é o chão dos que sabem se camuflar e não querem ser vistos. é onde cada um se sente mais si e mais ninguém. olhei primeiro para o trem passando. a luz amarela e o calor de dentro dos vagões era uma provocação para mim e vc nem ligou. o trem é sempre o lugar para onde se pode ir para conseguir proteção ao preço de um bilhete validado caso apareça o controlador à paisana. um lugar quente à janela e uma mesinha onde se pode trabalhar enquanto a paisagem te atravessa sem te machucar. eu pensei nisso e me senti estranha por estar fora, sentindo o frio quase congelando meus pés. vc acho que não. claro que não. vc só se debruçou no parapeito pixado da ponte e ficou. eu olhando o trem e vc olhando o céu. eu penso mais em partir e vc pensa mais em ficar, ainda que seja pelo tempo de um instante. é uma dessas situações em que dá no mesmo e o que faz diferença é só a intenção. e por isso mesmo é uma dessas situações que não se consegue dizer. é impossível saber qual. por isso vc só produziu uma onomatopeia e declamou a citação do deleuze como se ele fosse um deus. depois traduziu do francês. alguma palavra que vc não encontrou em alemão não fez diferença porque eu já tinha entendido em francês. vc sempre esquece que eu entendo francês e que eu quase poderia falar se tomasse coragem. mas eu não me importo em ouvir a mesma coisa só que em línguas diferentes. eu até gosto. a imagem do buraco no céu tomou conta e a gente nem notou que estávamos misturando as línguas. a metáfora do declínio da sociedade industrial pelos ferros enferrujados já não interessava. embarcar num outro nível de vínculo com alguém é sempre algo que a gente não sabe de onde e nem como vem. só fomos inocentes em achar que era só nós dois. os raios do sol pelo buraco que se abriu na cobertura cinza e maciça que era um teto já não tinha nada a ver com o sopro da bomba que abriu brechas na parede de tijolos vermelhos durante a guerra. era justamente o oposto.

eu precisei de vc para fazer furos no meu guarda-chuva. e não pensei que, agora furado, ele não me protege mais quando chove.


- is it all over now baby blue?


- talvez. mas isso não é triste.



quarta-feira, 16 de junho de 2010

o que sobrou da gente é que somos o silêncio um do outro. um silêncio tão profundo que é um abraço.