sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
sunglasses at night
Ele me emprestou a sua máquina de luz. Isso mesmo, ele tem um aparelho que simula a luz solar e o utiliza para fazer terapia de luz todas as manhãs. Não é para bronzear, é para suprir a exposição deficitária à luminosidade nesses dias escuros e curtos. Eu comecei a fazer isso desde ontem. Ligo a máquina e é como ter um sol dentro do meu quarto minúsculo. Eu imagino como deve ser olhar a janela do meu quarto de fora neste momento e não entender. Assim como eu olho para as pessoas felizes aqui e não entendo como. Eu me sento meia hora na frente dessa luz e espero que algo aconteça. Só vai acontecer daqui cinco dias, diz Andreas. Eu fecho os olhos e lembro da gente na praia. Do calor no nosso rosto, sem precisar fazer nada. Do nosso corpo esquentando sem precisar de aquecedor. Da gente sorrindo sem ter motivo. Ter luz é um pressuposto que não questionamos. Jamais pensaríamos em pagar 250 euros para comprar uma máquina de fazer luz. Ela simplesmente está lá quando acordamos. E tudo o que temos são objetos para evitá-la. Óculos de dormir, cortinas, óculos escuros, protetor solar, guarda-sóis. Formas de ingratidão. Eu olho para mim mesma sentada em frente desse bloco luminoso e penso que isso deve ser o retrato de alguém triste, mas que ainda acredita.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
bass song
Eu estava concentrada quando de repente ouvi o estrondo. Um pássaro bateu com tudo contra o vidro e caiu morto. Suas penas ainda planavam no ar e seu corpo já estava duro no chão. O carro de policia azul passou bem neste momento, mas não queria saber da morte do pássaro. Eu me pergunto se ele quis se matar ou se apenas foi enganado pela translucidez dessas paredes de vidro. Eu fico pensando se os arquitetos pensam nos pássaros quando decidem construir um prédio de vidro na beira da floresta. Se há estudos indicando que as aves são capazes de compreender o obstáculo de vidro ou se eles apenas pressupõem que sim. Às vezes há coisas demais pressupostas. Não deveriam pressupor que todos sabem o que acontece quando se voa em direção ao vidro. Não deveriam pressupor que todos querem evitar o encontro fatal com o vidro seco. Há muitas vítimas da má arquitetura que nunca serão contabilizadas.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
in the mausoleum
Você foi embora e o eu transformei saudades em raiva. Eu senti raiva por ter ficado sozinha. Você destruiu em poucos dias todo o sistema de proteção que eu tinha criado para sobreviver à solidão e ao frio. Eu tive raiva de você porque você veio, desestabilizou a minha organização interna e foi embora como se nada tivesse acontecido. E agora está na minha casa, com as minhas coisas, vendo os meus amigos e o meu pôr-do-sol. Podendo fazer tudo o que eu não posso. E não fazendo só para exercitar a discricionariedade. Sentindo um calor de que você nem mesmo gosta. E agora eu tenho a obrigação de ficar bem. De ficar equilibrada. De ser produtiva. De olhar para o lado e dizer bom dia para as pessoas que começam o dia bem humoradas. De manter a calma e declinar adjetivos corretamente. De dizer que eu ainda te amo. Agora o frio corta a minha cara e é como se eu estivesse nua. E eu nem mesmo me curei da gripe ainda. O meu peito ainda dói toda a vez que eu tusso e não tem ninguém aqui para ouvir. E a tosse vem cada vez mais alta até me deixar cansada de tanto gritar. Se você não tivesse vindo talvez eu não percebesse. Eu não iria querer ter podido te mostrar o rio congelado. A neve em cima das árvores. As flores que sobreviveram ao frio. As flores que eram eu até você me fazer secar. Talvez eu nem quisesse que você estivesse aqui na noite de lua cheia. Talvez eu me lembrasse que você nem ligaria. Talvez o melhor seja a solidão crônica e duradoura mesmo. Porque nem se percebe mais. Não se sente mais nenhum incomodo. Não se espera nada. Porque quando não se sente de novo a sensação de relaxar no ombro do outro é mais fácil não pensar. E então somos poupados do desafio de ficar de pé novamente. E não teremos vergonha por não conseguir. Talvez seja melhor não ter com quem contar e nem por quem esperar. Talvez seja mais fácil já estar morta.
Aqui na entrada da floresta tem um fila de traillers estacionados e eu fico pensando nas pessoas que sobem para acampar lá no meio da mata. Eu fico pensando no ato de acampar. Toda uma parafernália de instrumentos específicos desenhados para serem carregados numa mochila impermeável, construídos com materiais especiais, justamente para se conseguir viver uma vida simples. A tecnologia a favor do simples. Toda uma preparação apenas para sobreviver e experimentar o desprendimento fora da cidade e da sua própria casa. Parece uma contradição, mas quem sabe seja só as pessoas se dando conta do óbvio. Eu fico pensando no quanto nos faz falta uma vida mais simples. Uma xícara de café quente satisfazendo todas as angustias. O tempo gasto com olhar para o horizonte. Surpreender-se com a natureza. Deixar-se morrer com o pôr-do-sol. Eu fico pensando no abridor de latas que ninguém usa mais e nos objetos que vão aos poucos ficando obsoletos. Eu olho em volta e penso nas coisas que um dia serão vendidas no mercado de pulgas. O tempo passando e as nossas coisas ganhando valor. O tempo passando e eu usando roupas de três décadas atrás como se fossem novas. O tempo passando e as pessoas reinventando a roda em material reciclável e anti-oxidante. A roda que nos levará para o meio da floresta. Onde os milagres acontecem. Onde a mesma matéria orgânica que existe lá há séculos é capaz de nos surpreender a todo o instante. Onde nada fica obsoleto.
Eu vi o novo filme do Wim Wenders. Palermo Shooting. Eu acho que ele fez um filme para si próprio. Talvez os cineastas vivam mais tardiamente a crise de meia idade porque têm a falsa impressão de que estão vivendo mais intensamente que os outros. De que podem viver várias vidas. Tantas quantas forem as realidades que criam. Misturam suas próprias vidas com a vida dos seus filmes e não se dão conta da vida passando. A vida passando e eles achando que podem viver a vida dos seus personagens. A vida passando e eles achando que podem construir artificialmente a neve. É certo que estão construindo um jeito de viverem após a morte. Mas não é um jeito plausível de substituir a vida antes da morte. E quando percebem que se enganaram, fazem um filme sobre alguém vinte anos mais novo tendo uma crise de meia idade. Como se isso lhes valesse os vinte anos passados sem perceber. Como se isso lhes colocasse de novo a vinte anos atrás, quando ainda era possível escolher. Mas eu não preciso ser condescendente com Wim Wenders. E nem psicoanalisá-lo para falar mal de seu filme. Ele não foi generoso comigo. Achou que poderia me dar uma aula. Uma aula chata sobre uma vida linear e sem mistérios. Uma aula em que todas as perguntas são respondidas. Todos os símbolos são explicados. Há sempre uma palavra em alemão para desvendar os segredos. Eu não entendo porque alguém utiliza símbolos se depois vai querer explicá-los todos. Tim-tim-por-tim-tim, como diz a minha mãe. Seria melhor escrever um texto no jornal. Me pouparia o dinheiro do ingresso. Com certeza dariam um espaço especial na terceira página do Die Zeit para Wim Wenders escrever suas idéias sobre a vida e a morte. Mesmo que não sejam originais. As imagens do filme são bonitas porque a cidade tem a beleza especial da decadência em estado bruto. Daquilo que já foi bonito e rico e que agora é velho e pobre e por isso está mais vivo do que nunca. Escolher essa cidade para filmar foi pelo menos uma boa intuição daquilo que o filme não foi. Mas eu a conheci no verão passado. E olhar para ela na garupa de uma vespa, com o vento de verão soprando no rosto é a vida de verdade, que eu não preciso do personagem do filme para viver. Talvez você se divirta com a trilha sonora, mas para isso bastaria o seu ipod.
Tem um carro de bombeiro estacionado há dias bem aqui na beira da floresta. Eu fico pensando se é comum ter incêndios nesta época do ano. Eu fico pensando se o fogo tem força suficiente para queimar debaixo dessa neve toda. Eu não me admiraria se tivesse. Eu penso no fogo-fátuo que se vê queimar nos cemitérios. E de repente tenho esperança de novo.
domingo, 11 de janeiro de 2009
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
brand new start
Eu não levei o lixo para fora. Não deu tempo. Não é tão grave assim. Eu posso mandar um email para o proprietário pedindo desculpas pela bagunça e sutilmente mencionar a taxa de trinta euros para a faxina que estava embutida no preço do aluguel. Talvez isso me faça sentir menos culpada. Eu pelo menos lavei a louça. Mas depois me perdi pensando nos momentos que em pouco tempo iriam virar lembranças. Pensei que deveria tratar de recolher de novo o meu corpo que havia se espalhado para ocupar dois e que agora teria que caber de novo em um. E isso me tomou algum tempo. E não sei se adiantou, porque eu ainda me sinto como aquelas pessoas amputadas que ainda sentem o membro que não existe mais. Depois resolvi fazer mais um chá para tentar esquentar o peito. Quando me dei conta era já hora de ir e eu saí atrasada. Eu fui até a estação com o casaco aberto sem perceber e meu coração batia tão rápido que eu nem sequer senti frio. O ar que eu expirava pela boca era branco como fumaça e eu achei bonito olhar através dele enquanto esperava o trem na plataforma 14. O trem partiu exatamente às 6:32 e era noite. Eu olhei no relógio quando senti que ele começava a se movimentar e mais uma vez me surpreendi com a pontualidade. Pensei se são programas de computadores que fazem o trem iniciar sem esperar nem sequer aqueles que se atrasaram apenas um minuto. Mas quando olhei pela janela vi que ninguém se atrasou. Cruzamos a cidade iluminada e ainda demoraria para amanhecer. Eu tentei identificar os lugares em que havia estado quando não pensava em partir, embora sempre soubesse. Olhando dentro das casas, eu vi famílias tomando café da manhã como se fosse jantar.O trem andava silencioso e eu achei a cidade ainda mais bonita. Eu acho que já sei definitivamente encontrar beleza na escuridão sem sentir medo. Ou só agora eu tenha percebido que o medo também me atrai. Dentro do vagão está muito claro e o vidro reflete os que estão a minha volta. Uma garota de óculos que quase não se move enquanto lê um livro e um menino loiro de moletom marrom que come chocolate e folheia desinteressadamente uma revista que a Deutsche Bahn deixa no banco de cada passageiro. Tipo revista de bordo. Esse tipo de revista quase nunca vale a pena, mas elas podem servir para fazer colagens. Sempre há mais propagandas que textos, mas muitas vezes há fotos bonitas. Eu trouxe muitas coisas para ler, mas não tenho vontade. Talvez eu queira ouvir musica daqui a pouco. Mas agora não. Por enquanto eu quero ser invadida pela sensação de tédio. Lembrar de quando eu era criança e viajava com meus pais no banco de trás do carro. Sempre disputando a janela. E sempre achando que os destinos eram inalcançáveis. O trem pára na primeira estação. Entra um velho corcunda. Um grupo de três japoneses. Eu torço para não entrar mais ninguém e eu não ter que desocupar o assento do meu lado, onde está a minha mochila. Na verdade isso não seria um grande problema, pois há bastante espaço. A minha mala coube direitinho no lugar destinado às bagagens e ainda há o compartimento de cima. Mas eu torço mesmo assim. Nem foi difícil subir os degraus do trem, mesmo equilibrando o café com leite que eu trouxe para viagem. Como se tudo resolvesse ser mais fácil que eu mesma. Um cara de terno ocupou o lugar em frente ao meu e agora eu viajarei as próximas seis horas tendo que fingir que não estamos cara-a-cara. Os alemães preferem assim, fingir que não reparamos. Não olhar nos olhos de desconhecidos. Talvez isso possa significar algum tipo de invasão de privacidade. De novo os olhos. Uma vez alguém me disse que é por isso que há tantos espelhos nos lugares. Para triangular os olhares e permitir que as pessoas se olhem mesmo sem quebrar as regras. Eu gostei disso, melhor o apego às regras do que o desapego pelo outro. Ou o desinteresse. Noto que minha pele está seca. Pequenos sulcos vão se abrindo nas minhas mãos e elas vão ficando áspera. É preciso usar hidratante para as mãos sempre. É preciso tentar não ficar tão áspera quanto o frio. Eu me sinto seca por dentro e eu acho que não é sede, porque eu já bebi água o suficiente. Eu já tive até que ir ao banheiro que está no vagão seguinte. Não há mais luzes do lado de fora da minha janela. A cidade acabou. É só escuridão e o reflexo do que há aqui dentro. Algumas pessoas a mais. Poucas ainda. Uma mãe lendo um livro infantil para a sua filhinha de tranças loiras. Paisagem bucólica. Alguém com uniforme do exército entra e eu fico feliz pelo lugar na minha frente já estar ocupado pelo homem de terno. A companhia do burocrata me parece menos agressiva. Há menos violência simbólica nela. Quando cansei de olhar para a escuridão, eu peguei o meu exemplar da revista de bordo e comecei a folhear. Havia uma nota sobre o lançamento da biografia do Bob Dylan em alemão. Eu fico me perguntando como seria possível ele contar sua vida em alemão. E eu acho que não é. Assim como não dá também em português. A tradução que temos, aliás, é muito ruim, porque traduz man ao pé da letra. Então, é como se Bob Dylan dissesse homem a cada frase que iniciasse. Como se fosse a auto-decaração de um humanista. Como se não houvesse sutileza. A reportagem começa com a citação de uma frase dele dizendo: quando se escreve um livro desses, você deve dizer a verdade. Essa certamente não é a frase mais interessante a ser citada e eu me pergunto porque escolheram justo essa tendo o livro todo. Eu fico me perguntando se o fato de ser ou não verdade o que está escrito naquele livro importa para alguém. Eu fico me perguntando se a verdade importa. Bob Dylan nos presenteia sua vida e alguém se importa se ela é verdadeira ou não. Eu desisto da revista. Um homem passa vendendo café e chocolates. Não um ambulante. Um vendedor oficial com uniforme. Eu penso que talvez você esteja flutuando sobre mim neste momento. Eu olho para cima. A claridade vai aparecendo aos poucos. O cara da minha frente dorme. A paisagem vai aos poucos se mostrando como um desenho à lápiz em papel sulfite. Eu espero. O dia vai aos poucos amanhecendo e eu me dei conta de que esqueci de dormir esta noite. Talvez seja por isso que sinta meus olhos inchados. Ou por ter chorado demais. Ou pelas duas coisas. Talvez eu compre um creme para os olhos na farmácia perto da estação assim que chegar. A manhã vai se consolidando e eu sinto falta de ontem. Eu vejo a neve cobrindo o infinito e imagino como deve ser ver de cima os trilhos deste trem cortando o infinito branco pela metade. Estar na linha que corta o infinito ao meio é como estar em um lugar que não existe. E deve ser por isso que eu me sinto não existindo. O branco reflete toda a claridade. E a claridade deste dia é o infinito vezes dois. Eu penso que um dia assim deve valer por dois e ele talvez exista para compensar as muitas horas que passamos na escuridão. Para que as pessoas possam ao menos absorver as vitaminas de que o corpo precisa. Esse é o tipo de idéia que me faria me sentir bem, mas eu nem liguei. Agora vou fechar os olhos e colocar meu rosto no sol. Vou tentar sentir ele quente de novo. Vou largar o meu corpo e deixar que o que quer que seja o atravesse. Algo que talvez me faça lembrar de mim. Vou fechar os olhos. But i’m not sleepy.
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
Essa noite eu tive febre e acordei gripada. Meu corpo dói e eu acho que isso foi só uma maneira de somatizar o meu cansaço. Eu passei o dia deitada na minha cama ouvindo o meu ipod. Eu queria ter a sua música aqui, mas eu também sei esperar. Eu posso esperar para ouvi-la no dia em que puder te mostrar a cidade e não apenas as paredes do meu apartamento. Eu ouço julee cruise agora e me sinto como ela, flutuando enquanto o mundo gira. Da minha cama, eu ouvi as crianças do andar de cima saindo para a escola e ouvi quando elas voltaram. Elas batiam os pés no tapete da entrada para tirar o gelo dos sapatos. Eu vi a papelaria que fica em frente à minha janela abrir, fazer pausa para almoço e fechar. E vi a vendedora passar horas sozinha com o seu computador, igual ao meu. Eu me perguntei onde ela estaria. Alguém estudava piano. Não era tão ruim, mas logo parou. Poucos carros passaram por aqui hoje. Eu ouvi de longe alguns cachorros latindo. Não há pássaros por aqui. Ou eles são silenciosos. As janelas são duplas, para nos proteger do frio e nos isolar do mundo externo. Mas os vidros deixam o sol entrar, embora ele não tenha durado muito. Eu pude passar horas de olhos fechados, intercalando a minha música com os sons abafados da cidade. Eu só me lamentei por não ter ainda comprado os meus fones de ouvido novos, aqueles que são capazes de nos isolar do mundo, assim como as janelas duplas. Talvez isso seja necessário de tempos em tempos. Me disseram que os fones que tenho agora não me deixam ouvir o baixo das músicas e eu comecei a brincar de imaginá-los. Isso para mim se tornou uma espécie de meditação. Eu estou bem perto de mim mesma agora. Eu sinto que a gripe deixou os meus fluídos mais espessos e mais lentos. Acho que as células também estão demorando mais para fazer osmose. Os meus pensamentos ficaram mais pastosos também. Quando meus olhos fecharam e eu caí no sono várias vezes ao longo do dia, meus sonhos foram agradáveis. Pareciam estar em câmera lenta. Finalmente uma trégua do meu subconsciente. Minhas vias nasais estão entupidas e eu presto atenção a cada inspiração e a cada expiração. Eu faço isso lentamente lembrando da lenda indiana que diz que nascemos com um número contado de respiraçoes para usar durante a vida e apenas podemos prolongá-la se respirarmos devagar. Mas pensar nisso já não me faz temer a morte. Eu aproveito a vida em suspensão, vista daqui debaixo da minha coberta. Seria essa a maré de calma de que você fala? Por alguma razão que eu não sei explicar, eu gosto muito desse estado. Quando eu era criança, eu gostava de ficar doente para faltar na escola. Eu senti a mesma sensação hoje, mesmo não tendo mais escola para freqüentar. Você tem razão. Eu me sinto hoje muito mais perto do que eu era antes. Eu sabia muito menos, mas a tinha a beleza de quem não tem nada a perder. Hoje eu entendo que continuo não tendo nada a perder. E talvez volte a ser bela. Essa é a mesma beleza do pôr-do-sol. Eu penso no pequeno espaço da cama que eu ocupo agora. Eu quase não me mexo e não faço barulho. E me pergunto se isso faz alguma diferença. Eu fecho os olhos e me sinto feliz por habitar essa pequena massa que é o meu corpo, neste pequeno metro quadrado de colchão macio. E me alegro por ter aprendido a fazê-lo flutuar. Como a poeira que você deixa para trás na estrada que percorre com seu carro. Pense em mim quando olhar pelo retrovisor. Eu estarei cantando. Moving near the edge at night, dust is dancing in the space. A dog and bird are far away. The sun comes up and down each day. Light and shadow change the walls. Halley's comet's come and gone. The things I touch are made of stone. Falling through this night alone.
domingo, 4 de janeiro de 2009
Acabei de fazer um programa de radio para você. Enquanto aí, você cria colagens, aqui, eu crio programas de radio. Recorto frases que colo sobre músicas tentando encontrar um novo significado para as horas que passam como se não houvesse nada a ser feito, exceto estar. Às vezes a plenitude está contida na própria busca e não é preciso entender para estar. O primeiro programa foi hoje e eu vou tentar te enviar agora. Tomara que dê certo. Gostaria que você transferisse essa faixa para o seu ipod. E gostaria que você me escutasse, como se eu estivesse aí, com você. Pode ser um jeito de acalmar um pouco a nossa solidão.
Hoje percebi que já havia um longo tempo que não me divirto com as artimanhas da distancia. Notei que somos como aqueles apaixonados de contos antigos tentando, a todo custo, encontrar um meio para estar próximo. Acho que somos adultos que sabem que é sempre preciso voltar ao antes de agora. Quando éramos quase pequeninos. Correr entre duendes e se maravilhar com coisas tão ínfimas que não pretendemos entender para saber o quanto elas existem sobre nós.
Quando penso em você vejo suas frases se equilibrando nos fios da neblina. Elas sempre encontrarão alguma forma de subir. E de tocar os que pensam que estão vivos. Os que sabem que habitam um lugar diferente de nós. É complicado, mas talvez eles, os que não são nós, sirvam para nos chamar ao chão. A âncora não é desnecessária, só os tolos não percebem. O chão é lugar quase sempre tão difícil de se estar, mas que, se descoberto possível - como agora você o descobre, é digno de ondas de euforia seguidas de marés calmas, quase sem existir. E não tema flutuar sobre o real. Não tema temer perder-se o chão. O momento em que te encontra é o momento máximo do deslumbramento. Do não caber-se em si diante das terras que descobrimos dentro de nós mesmos. Dance sobre a sua morte. Talvez seja a primeira vez que morremos de prazer. Às vezes me derreto em sensações que não consigo explicar. E quando me vejo perdido na correnteza de mim mesmo, sorrio confortável para o céu que desce um pouco mais para perto de mim. E nessas horas saem frases bonitas sem nada a dizer. A beleza por si só. Ou coisas que não deveriam ser contadas.
Hoje teve por-do-sol. Andei de carro por muitas horas, segui por pequeninas estradas de terra. Por pátios floridos. Por casas velhas. Por gramados onde adolescentes corriam. Por beras de estradas onde jovens mediam a potencia das suas motocicletas enquanto bebiam coca-cola debaixo do sol. Tres senhoras levavam flores ao cemitério e uma delas chorava. A velha acenou quando passei. Seguir sem rumo por pequenas estradas do interior é como encontrar um pouco mais de mim em cada curva vencida. Nessas horas é sempre preciso estar só. Quando me perco na estradas tenho um encontro importante demais comigo mesmo. Demais para ser dividido com estranhos. Se você estivesse aqui eu sei que você não seria uma estranha. Talvez se sentisse em um pais estranho, sem nome, mas não seria nada muito diferente daquilo que eu sinto também, mesmo sendo daqui.
Hoje os meus pensamentos estão confusos e eu deveria querer ordená-los, mas não. Sinto saudade e minhas pálpebras caem. Em alguma terra misteriosa, se você agora também estiver dormindo, um vulcão espera para nos acordar. Talvez a gente saiba dançar sobre explosões iminentes. Mas jamais aprenderemos a fingir que nada está acontecendo.
Escrevo um livro novo. É como se ele tivesse começado de trás para a frente. O nome, que normalmente é o ultimo a chegar, dessa vez foi o primeiro.
Hoje eu me senti muito sozinha sem estar. E isso me deu muita tristeza. Porque eu percebi que eu estava já sozinha há um tempo. Que estava sem me dar conta ouvindo há um tempo o eco do que eu mesma dizia, que voltava pra mim depois de bater no vazio. Que o fog desta cidade estava repleto de palavras minhas que ficaram no ar. Que se perderam de mim para sempre. Eu me senti cansada. Cansada de ser responsável por produzir esses ecos. Cansada de tentar traduzir o mundo para os que não querem tocá-lo. Eu não pretendo ser profeta deste mundo para os que estão ainda presos em algum lugar que não é o presente. Talvez seja mesmo difícil argumentar racionalmente a favor do presente. A questão é que eu não espero mais por argumentos racionais. Todas as perguntas importantes que eu já me fiz na vida não podem ser respondidas por eles. Então, eu apenas aceitei o mistério. Eu também posso aprender a partir dos segredos. E eu percebi que os segredos nos impulsionam e não precisamos fazer nada a respeito. Só aprender a viver junto com eles. Eu não quero mais destruir os segredos. Não preciso mais tentar decifrá-los. Ou buscar respostas para perguntas que não podem ser respondidas. Eu quero ser apenas eu mesma me divertindo com o que eu tenho ao alcance da minha mão e isso basta para mim. Então eu pensei em você tão longe do alcance da minha mão e o dia ficou mais difícil. Talvez eu precisasse de um pouco mais de cumplicidade hoje. Porque às vezes pode ser duro amar seres sem gravidade. E às vezes eu penso que não terei energia suficiente para trazê-los para perto de nós.
Eu leio o que você escreve e parece que você está habitando um lugar que eu conheço muito bem mesmo sem conhecer. Provavelmente porque minha mãe também fazia lasanha aos domingos. Porque eu também tenho muitos primos e as pessoas da minha família sempre beberam além da conta. Porque somos sobreviventes do colégio de freiras da mesma congregação. Porque um dia eu li uma frase sua na agenda do colégio numa quinta-feira de manhã e é como se eu já te conhecesse desde então. Talvez a gente se conheça há quinze anos. Talvez a gente tenha a idade da sua vitrola e apenas não contamos. Talvez um dia você queira ir até a minha casa com o dvd do bowie e uma garrafa de vinho. Talvez. Porque ultimamente eu ando achando que a idéia de estar perto de mim é melhor do que estar perto de mim de verdade. E eu tenho medo de me tornar um fantasma. Eu me pergunto se seres sem gravidade e fantasmas habitam o mesmo espaço. Eu me pergunto até quando poderemos viver assim. E essas são algumas das perguntas sem respostas de que eu falei antes. Perguntas que flutuam calmamente pelo ar desta cidade, assim como os flocos de neve. Prontas para chegar ao chão e desaparecerem. E serem esquecidas.
sábado, 3 de janeiro de 2009
Estranha a sensação de viver, mesmo longe de quase tudo. Se eu te contasse a ordem cronológica dos meus dias é quase certo que nada fosse te interessar. Como conjugar verbos no tempo passado, fico pensando onde você estaria se eu estivesse com você agora. Fico me perguntando como podemos habitar o mesmo instantes se até mesmo os nossos relógios marcam tempos diferentes. Sinto saudade quando os ponteiros se desencontram. Sinto saudade quando nada pode trazer de volta o que nunca mais será. E é ruim. Saudade não é nostalgia. Já chegamos a esse consenso.
Hoje fez frio aqui. Amanha, segundo os meteorologistas, teremos 13 graus na parte da manhã. hoje comi. E isso não me deixa feliz. Acordei tarde com minha mãe batendo na porta chamando para o almoço no Polartur, um hotel em Estrela onde esperávamos comer bem. Enganamos. Sempre nos enganamos quando esperamos demais dos lugares que nos cercam. Aqui não é aí. Infelizmente. Almocei com os meus pais, meu sobrinho, minha irmã e meu cunhado. A televisão estava ligada. Em quase todos os restaurantes da região existe uma televisão ligada sintonizada na Rede Globo. Almoçamos assistindo ao Jornal Hoje. E não foi tão ruim assim. Na saída passamos pelo hall do hotel onde um bar decorado com azulejos com imensas flores cor-de-laranja me chamou a atenção. Chamei a atenção da minha mãe mostrando a beleza daqueles azulejos antigos formando flores de cores quentes com marrom. Ela achou horrível. Minha irmã também. Senti pena daquelas paredes de azulejos que, se dependessem das mulheres da minha família, seriam substituídas por um revestimento novo e moderno. Lembrei de Berlim onde o antigo é novo e onde o que permanece se confunde com o belo. E senti raiva delas. E senti raiva do povo daqui que não encontra beleza no que existe há mais tempo. Pensei no tempo. Nas atrocidades que se cometem contra ele. Contra mim. contra o que nos faz bonitos. Depois esqueci para continuar vivendo em família.
De tarde fui visitar os meus avos. Minha vó na sala contando sobre a solidão. Meu avô no quarto com um botijão de oxigênio ao lado da cama e uma enfermeira folhando uma revista sentada na poltrona. Na capa da revista estava escrito “Você é um gênio?” e eu não soube responder. Tentei conversar com meu avô, mas ele não estava mais lá. olhava para mim e, pelo seu olhar, percebia que os canos pareciam machucar os seus ouvidos. Ele estava coberto e parecia bem aquecido na tarde desse sábado de inverno no meio do começo do verão. Minha avó chorou no corredor. Chorou na sala olhando para os porta-retratos dos seus netos. Para as fotografias tiradas antes de agora. reconheceu o tempo como passado, talvez pela primeira vez, e aquela triste constatação era um fato que não poderia ser negado. Nem camuflado. Nem esquecido. A sabedoria, às vezes, é insuportável demais. É preciso cuidado com ela.
À noite familiares se reuniram aqui em casa e minha mãe fez lasanha e ficou bêbada antes de servir o jantar. Eu bebi vinho e ela bebeu cerveja e os primos riam na mesa e todos falávamos línguas tão diferentes. Diferentes o bastante para, no fundo, serem entendidas. Antes de chegar ao fim eu peguei uma garrafa de vinho e um DVD do David Bowie e fui para a casa da minha melhor amiga. Para a garota que eu conheço há quase quinze anos e que me conhece tanto quanto você.
Ficamos na sala bebendo vinho e assistindo aquelas imagens e conversando sobre nós mesmos. No meio da noite Sara chorou e minha amiga trouxe a pequena nos braços. Enquanto ela preparava uma mamadeira a pequena deitou nos meus braços sentindo o balanço da rede. Ficamos um tempo em silencio. Eu acariciando os seus pezinhos pequeninos e ela olhando para mim. dentro dos seus olhos enormes e azuis eu tentava encontrar o mundo aos onze meses. Depois ela tomou o leite e voltou para a cama flutuando sozinho nos braços da mãe. E eu senti saudade de um tempo que nunca passou. Quando eu era pequenino e sobrevoava o mundo no colo de todos os mais velhos da minha família. Menos no seu, mãe.
A cidade chovia e era uma noite de inverno no meio do verão. Alguns bêbados conversavam em frente ao posto de gasolina. Poucos carros na frente da única danceteria da cidade. nenhum garoto andando sozinho pela cidade. nessa noite não há lugar para mim. se você estivesse aqui, não haveria lugar para nós.
Em casa comi alguns chocolates sentindo medo de engordar. Eu deveria ter vomitado. Mas não vomitei. Eu deveria estar dormindo. Mas não estou. Eu deveria estar com você. Mas o mundo consegue sempre encontrar algum jeito de testar o quanto eu sou capaz de esperar.