terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Quando a porta bateu, eu fiquei mais perto do teto. E foi como se a verão tivesse acabado. Em pouco tempo, terei que reaprender a viver no inverno. Eu já fiz isso muitas vezes e sei que não se pode improvisar. É preciso estar cercada dos instrumentos certos e alguns paliativos. Não podemos deixar o corpo ficar úmido, nem permitir que o frio entre pelos pés. É preciso evitar chorar, para que as lágrimas não congelem no rosto. Eu já sei agora o que fazer, para que meus olhos não se fechem e que os seus não fiquem tristes. Eu imagino você andando pelas calçadas e tento adivinhar o que te chamaria a atenção. Eu torço para você olhar para o céu e ver como ele está azul. Que repare no estado de derretimento da neve. Que tome a rua errada e descubra um caminho novo. Você se esquecerá de mim. Deixará que o seu corpo se perca do meu. Você ouvirá uma musica diferente da minha e será linda porque eu sei que você pode fazer a sua própria música. E um dia vai me mostrar. Quando nos reencontrarmos. E vai lamentar que já não toca tão bem quanto tocava. E eu não vou concordar. Você vai continuar roendo as suas unhas até fazê-las sangrar e eu vou continuar achando que esse é um sinal de que você também tem um refúgio lá longe, no tempo em que ficávamos nervosos quando resolvíamos problemas de matemática no colégio. Algo que fazíamos sem esperar nada em troca. Um tempo em que você esquecia os seus cadernos em casa e não ligava. Em que pensávamos menos nas conseqüências. Um lugar que você um dia vai me mostrar e que possivelmente estaremos juntos. Eu abro o meu email e um amigo me manda uma mensagem de ano-novo. E eu volto a pensar que aquele lance junguiano da sicronicidade pode dar certo. Ele me manda um texto sobre Thoreau, dizendo que devemos prestar atenção ao fato de que estamos vivos agora e então deixar penetrar a torrente de vida. Abrir os portões e colocar em movimento toda a nossa engrenagem. Eu encaminho esse email para você. Talvez você já conheça, mas não importa. Porque é isso que eu quero te dizer hoje. Hoje é o seu aniversário e eu sei que você não liga muito para isso. Mas eu te diria isso mesmo se fosse qualquer outro dia. Era Thoreau que falava sobre a vontade de viver livre e profundamente. Sugar a essência da vida e se livrar de tudo o que não é vida. Para que, ao morrermos, não descobrirmos que não vivemos. Isso é tudo o que quero para mim. Isso é tudo o que posso desejar às pessoas que eu amo. Eu quero estar no mesmo lugar que você, quando for levada pela corrente da vida. Só assim não sentirão pena de nós quando morrermos. Pensar na morte tem me impulsionado para a vida e eu queria te trazer junto comigo. Temos exemplos na família de gente que não despertará a nossa pena quando morrerem. E eu quero que sejamos como eles. Que não temamos mais a morte. Eu quero viver livre e profundamente. Eu quero que você viva livre e profundamente. Para que um dia possamos estar todos juntos dançando sobre a nossa própria morte. Feliz aniversário.

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