domingo, 12 de julho de 2009








a igualdade é branca. ou: a vingança é um prato que se come frio e na polônia.

domingo, 5 de julho de 2009

Terminal Rodoviário Tietê: standing on the corner, suitcase in my hand, jack is in his corset and jane is in her vest. i'm in a rock n' roll band.

Pessoas morrem. Golpes militares acontecem. Mais um semestre termina. Tudo isso é a vida normal, que quando fica insuportável preferimos dizer que não é vida normal. Preferimos acreditar que se trata de um momento qualquer de exceção que já vai passar. Como se quando a vida normal voltar a reinar, seremos mais felizes. Quando as mentiras que contamos para nós mesmos se tornam insustentáveis, é preciso descanso. É preciso distância. É preciso pegar a linha verde até o paraíso e depois a linha azul até o terminal rodoviário tietê.
Agora tem três mulheres negras sentadas na minha frente. Elas são gordas e usam roupas largas e coloridas. Uma delas, a de cachecol quadriculado, lê uma revista e mexe os lábios, pronunciando silenciosamente cada palavra. Como se o silêncio que ela pronuncia a ajudasse a se concentrar. O silêncio nunca nos ajuda a concentrar. Ao contrario. O garoto e seu avô sentam lado a lado e olham para o mesmo lugar vazio. Não se falam. São representações vivas das gerações unidas por vazios e faltas. São muito magros. Silêncio não é nem vazio e nem falta. E não podemos olhar para ele.
Uma musica bem alta vem dos alto-falantes e o som ecoa nas paredes de concreto desta rodoviária. A luz cinza do dia entra pelo teto e as pessoas caminham calmamente pelo saguão. Aqui todo mundo parece ter mais tempo e menos pressa do que as pessoas que andam pelo saguão do aeroporto. Aqui as pessoas são mais coloridas. Aqui tempo não é dinheiro. Toca Elvis e uma das senhoras negras que ocupa duas cadeiras de espera junto à plataforma trinta e dois acompanha o ritmo da musica com o pé. Depois take a walk on the wild side e ela pára de mexer o pé. Uma seleção musical inusitada e eu penso se é comum ter musica ambiente nesse tipo de lugar. Nesse momento a minha memória confunde música ambiente com a música que vem do ipod e eu não chego a nenhuma conclusão. Esse lugar só pode ser muito incomum ou comum demais.
Uma frutaria vende sucos naturais de muitos sabores diferentes e aqui a regra é o suco vir com açúcar. Se vc não quiser que o suco venha com açúcar, é preciso falar isso muitas vezes para a moça que está te atendendo. Uma moça muito magra.
Saio a procura de um guarda-chuva, pois acabo de ser informada de que chove em Paraty e que acabaram todos os guarda-chuvas da cidade. O dia em que todos os guarda-chuvas de uma cidade se acabam deve ser um dia importante. Chove aqui também. Chove em toda a parte em que ontem fez sol. Mas eu me sinto menos suscetível às mudanças climáticas. Talvez graças a você. Agora o sentido dos dias cinzas é pensar em não me lamentar por eles. Lamentar me parece agora um sentimento inútil. Assim como arrepender-se.
O ônibus parte e eu me sinto em casa cruzando a Avenida Cruzeiro do Sul. Eu me sinto em casa quando passo em frente de um letreiro que diz Estrela do Araguaia Norte Bar e Lanches. É sempre mais fácil partir no momento em que já se partiu do que quando se imagina partir. Eu faço planos de viver mais on the road. E penso em vc falando sobre a necessidade de fazer uma viagem beatnik e achando que é mais difícil do que é. Uma viagem beatnik deve ser necessariamente uma viagem sem planejamento, por isso ela tem que acontecer no exato momento em que vc decide ir. Quando estiver em dúvida olhe para as palavras escritas no seu braço direito. Sim, eu te contarei as palavras mais bonitas que ouvir. Eu falarei sobre tudo na próxima vez que estivermos sentados no tapete da sala. Menos sobre a cerveja que teríamos tomado juntos. Menos sobre o beque que teríamos fumado juntos. Menos sobre os nossos passos truncados andando nas ruas da cidade antiga. Eu também não te contarei sobre o sol, porque não haverá sol.
O motorista do ônibus se chama Adaílson e pede para que todos usem cinto de segurança. Cintos de segurança e guarda-chuvas são objetos da mesma classe e eu tenho ambos ao alcance das mãos neste momento. Eu nunca tenho um guarda-chuva por perto quando realmente preciso. E por isso aprendi a gostar de ter que improvisar algo para me proteger assim que a primeira gota de chuva cai do céu. Abdicar de portar objetos de proteção é também uma forma de desapego e eu finalmente entendi que toda forma de desapego é sinal de maturidade.
Não há transito na marginal. O barulho que vem de fora parece o barulho do mar calmo. Agora eu não tenho que fazer mais nada. Reclinar a poltrona. Colocar o fone de ouvido. Escolher sigur ros para tocar. Fechar os olhos e sentir o cheiro do mar. O mar de verdade.

Três dias passam rápido. O tempo exato para fazer a expectativa se transformar em fotos não tiradas e banho de mar não tomado. A paisagem vista do banco de trás do carro. A curva que passa pelo cemitério São Francisco de Assis e nos leva diretamente para a cidade. Distâncias percorríveis à pé. O cheiro do mar e as garrafas de água vazias jogadas na praça da matriz. No fim da festa, o que há de mais belo e mais sujo se acumula ao lado da homenagem ao Hamlet. Três é sempre um número perigoso e há sempre o risco de magoar e ser magoado

Quando estávamos voltando, ele contava sobre uma montanha que se rachou e de dentro dela brotou um rio. Uma quantidade de água grande e forte que arrastou animais, destruiu casas e interditou a estrada que liga Paraty a Cunha. Eu nunca imaginei que a montanha fosse feita de água. Eu nunca imaginei que a montanha represasse um rio bravo dentro de si. E nem que ela poderia um dia simplesmente rachar para poder chorar. A montanha é mais uma das nossas idealizações. Precisamos acreditar que quando não agüentarmos mais seguir por conta própria, haverá sempre algo mais forte do que nós, pronto para nos proteger. Isso é quando não queremos enxergar a fragilidade do outro. Isso é quando superdimensionamos a nossa.