domingo, 30 de novembro de 2008

sábado, 29 de novembro de 2008

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Can't you see i'm trying?

As árvores vão ficando cada vez mais vazias e há muitas folhas no chão. Elas se acumulam nas calçadas, formam montanhas compactas de cor ocre e invertem o sentido do mundo. Mas quando o orvalho que as cobre congela, elas se tornam frágeis. Revestidas por uma fina camada de gelo, sua maciez se aprisiona em ângulos retos. Não suportam ser tocadas. Quebram-se mais facilmente, fazendo um ruído triste e seco. Tento manter meu corpo quente, mas sinto que é mais fácil quebrar-se quando o gelo nos cobre.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

para i.

Alguns livros não são compreendidos porque não são para isso. Eles pularam um estágio. Pressuporiam a cristalização de um determinado estado de sensibilidade que não está. Algumas pessoas percebem antes que outras os sinais da chegada de terríveis e maravilhosas possibilidades e escrevem sobre elas, quando os demais ainda não se deram conta. Existe sempre a esperança de que isso aconteça quando o escritor decide transbordar as fronteiras de sua própria experiência. É exatamente esse o único ato capaz de detonar a explosão dessas possibilidades e é por isso que ele vale a pena. Pelo simples fato de ser uma promessa e de não exigir nada além. Um microcosmo que decide quebrar a barreira pessoal sem nenhum objetivo é por si só um revolucionário. Mas quando o extraordinário acontece, passamos noites sem dormir, choramos e rimos e sonhamos e amamos ao mesmo tempo. E sentimos vontade de viver. E isso não pode ser evitado. Mesmo que pensem decifrá-lo. Mesmo que dissimulem entendê-lo. Mesmo que finjam não vê-lo. Pois não se trata de querer tornar o pessoal em geral. É essa a pressuposição errada que produz repetições medíocres de coisas que já sabemos. É isso que a vida tenta fazer conosco. Transformar uma experiência singular em algo pretensamente maior. Tentam nos convencer de que devemos justificar a nossa minúscula existência como algo que deva interessar à humanidade. Tornar-se adulto é acima de tudo se convencer de que a experiência única e incrível de cada um é o que todos compartilham. E nós simplesmente nos recusamos a isso.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Where the sad-eyed prophet says that no man come




A estrada nos fazia subir as montanhas passando pelo meio da floresta. O farol do carro revelava só um pouco do que havia ali. O céu, quando se via, tinha a mesma cor quase negra de tudo o que me circundava. Eu me sentia protegida pela escuridão profunda. Você entenderia finalmente de onde veio se estivesse estado onde estive hoje. Um prédio construído em 1707, em um vilarejo no alto da montanha. Havia sido um convento, uma casa linda de 17 janelas, ao lado de um riacho. Difícil acreditar que aquele lugar existe no mesmo mundo em vivemos, na época em que vivemos. Dentro, o aquecimento era feito do mesmo modo que há dois séculos: o forno construído no centro da casa, irradiando calor para todo o resto. E eu me sentia no útero do mundo. O repertório de móveis, onde você também reconheceria o seu lugar, consistia em paredes, mesas e cadeiras de madeira. Almofadas e cortinas floridas. Mulheres de bochechas vermelhas vestindo saias longas com aventais brancos. Um vaso em forma de ganso. Retratos pintados à mão. Um gato gordo passeava calmamente ente as mesas. Pessoas que pareciam estar sentadas ali desde sempre e para sempre. Eu também poderia ficar. Eu poderia viver do som da água batendo nas pedras, do barulho do vento balançando a copa das árvores já quase sem folhas, do estalar da madeira que queima para nos aquecer e da escuridão da noite sem iluminação pública. Coberta por uma massa espessa de passado, de neve, de silêncio e de distância, talvez minha cabeça pudesse finalmente descansar.

Past is present now



Já quase não nos conhecemos mais. Já quase não somos as mesmas. Dizemos coisas que não queríamos dizer. Dizemos coisas para simular normalidade. Coisas com sentido. Encontrar o tom correto para falar. Encontrar o fio da razão e seguir junto a ele. Como as crianças do jardim da infância quando saem para passear na rua, em fila, de mãos dadas para não se perderem. Existe sempre o risco de se perder. De esquecer o próprio nome. Mas tentamos evitá-los a muito custo. E assim corremos o risco diário de decidir seguir, sem perguntar para onde nos levam. Fazemos comentários de quem lê os jornais todos os dias e usa sapatos para sair na rua. Pelo menos eu sempre falo em uma língua que não é a minha. Nunca se é si mesmo em uma língua estrangeira. E eu me sinto protegida por isso. Eu me sinto livre para usar como quiser palavras que não significam nada para mim. Não há limites. Nunca serei descoberta. Falamos sobre sacerdotes e sua prepotência de permanecer intocáveis. E no fundo tudo o que queremos é permanecer intocadas. Tudo o que tememos é permanecer intocadas.
Nunca conseguimos realmente sobreviver à experiência de não estar. De não nos encontrarmos todos os dias no parque. De não nos encontrarmos todos os dias na biblioteca e sair para fumar e comer sanduíches de queijo. De não termos mais as ruas de uma cidade suja e barulhenta para lamentar. De não termos mais bicicletas para roubar. Você agora fala sobre a descalcificação dos ossos e sobre seu novo trabalho. Uma existência que parece se justificar por si só. Uma maneira de não se perder, de não desviar, de camuflar-se. Como uma nova manifestação de um velho fenômeno, percorremos os mesmos assuntos. Para confirmar que algumas coisas continuam ali. Que os lugares vazios ainda não foram preenchidos . Que há ainda lugar para nós mesmas.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Sobre o que você me disse hoje à tarde

É mesmo interessante o exercício observar-se sem a própria vida e ao mesmo tempo observar a própria vida sem si mesmo. Acho que você já sabia o que era isso quando me falou da diferença entre solidão e liberdade. Talvez só por isso você tenha voltado. Talvez seja por isso que você sempre teve certezas e eu não. Talvez seja por isso o seu olhar na foto. Parece que eu estou vendo a minha própria vida no cinema, ampliada, amplificada e com trilha sonora. E sob esse ângulo, como acontece no cinema, consigo ver as coisas que passam desapercebidas naquilo que as pessoas chamam de vida real. Daqui eu posso ver com nitidez tudo o que faz e o que não faz sentido. Tudo o que importa e tudo o que não importa. Tudo do que eu não preciso e o que não precisa de mim. Todo o tempo e energia perdidos com atividades estúpidas. Contatos sociais sem sentido. Conversas desnecessárias. Hábitos repetidos mecanicamente. Calorias ingeridas só por compulsão. Utensílios domésticos inúteis. Quanto papel deve ser jogado fora. Quanta roupa deve ser doada. Quantos copos devem ser quebrados. O dinheiro no banco, que deve ser gasto. Nenhuma sessão de psicanálise jamais me colocou em um ponto de visão tão adequado quanto este. Daqui eu vejo a mim mesma e a minha vida em estado bruto e sem paliativos. Vistas daqui, as respostas rápidas, esquecidas um segundo depois, não encerram os assuntos. As desculpas e justificativas que me confortam nos dez minutos que penso sobre a vida antes de cair no sono não têm qualquer consistência. As camadas de verniz que uso em tantas conversas são apenas sujeira. Tudo salta aos olhos em seu estado natural e inapelavelmente cruel. Eu aqui sou apenas eu. As circunstâncias que se dizem minhas ficaram longe. E me deixaram livre. É como se eu tivesse de uma hora para outra resolvido a equação do livre arbítrio. É como se eu tivesse de uma hora para outra me livrado da responsabilidade pelo que não é meu. Aqui eu só me preocupo em sobreviver e em encontrar razões para isso. Passar a própria vida sob o julgamento do desejo e livrar-se do que não foi absolvido. E eu acho que eu começo a enxergar que o que me resta cabe numa casa menor.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008


Hoje eu parei de andar a pé e peguei a minha bicicleta vermelha. É a mesma de dois anos atrás, que eu nunca tive coragem de vender quando fui embora daqui. Eu a deixei com uma amiga. E fora essa amiga, ela é o laço mais estável que eu tenho com esta cidade. Eu sempre acho que é ela que me faz voltar. Pelo menos é sempre nela que eu penso quando me canso do lugar onde moro e penso que gostaria de ser mais livre. Eu voltei aqui para reencontrá-la no verão do ano passado. E valeu a pena. É uma steiger, fabricada aqui provavelmente na década de 60, com luzes movidas a dínamo, em perfeito estado, que eu achei numa loja de bicicletas de segunda mão. Eles a comprariam de volta quando eu partisse, mas eu não pude. Eu sempre penso em levá-la comigo, mas sei que ela só faz sentido aqui. Onde eu moro ela seria apenas um fetiche vintage. Aqui é ela que me faz encontrar os lugares bonitos onde que eu gosto de me perder. Eu não me importo em viver a ilusão de que algumas coisas me garantem acesso a algum lugar secreto onde eu já fui feliz. Eu não me importo em fracassar quase sempre nisso. Porque eu hoje eu fui com a minha bicicleta até o meio da floresta triste e não tive medo de ficar sozinha.

domingo, 23 de novembro de 2008

Ruído sujo

A neve produz um efeito sonoro interessante. Ela abafa todos os sons. Os divide ao meio. É como se uma parte deles fosse absorvida por ela. E sobrasse apenas o melhor. Sem dissonâncias ou agudos incômodos. É um jeito diferente de produzir silêncio. Ou uma forma específica e agradável de surdez. Aposto que ninguém usa tampões para ouvidos quando neva. Não é necessário. É quase como se não houvesse gravidade. Como se toda a queda fosse amortecida. E já não houvesse surpresas. Se você estivesse aqui, eu te diria muitas coisas. Eu te diria qualquer coisa. Eu nem sequer pensaria antes de dizer. Talvez haja coisas que eu só vá te dizer quando estivermos sozinhos na neve. Porque elas soariam melhor. Eu teria certeza de que elas cairiam no macio e que você ouviria apenas a parte bonita do que eu seria capaz de te dizer. E então você sorriria para mim.

A woman left lonely



Ela me perguntava se tinha pronunciado meu sobrenome corretamente. Naturalmente que não, porque os alemães não falam o ch como nós. Para eles, ch se lê como dois erres e não como x. Então, eu já me acostumei. Já nem presto atenção nisso. Eu mesma já falo meu sobrenome como eles gostariam de ouvir, para evitar a demora na compreensão e a explicação toda sobre a diferença de fonemas entre as duas línguas. E eventualmente a burrice daqueles que sequer sabem que se fala português e não espanhol no Brasil. Eu simplesmente não me importo com o meu sobrenome. Eu tenho 3 e não me importo com nenhum deles. Mas aqui eles são importantes. Aqui todo mundo tem a mania de chamar os outros pelo sobrenome...colocando Frau ou Herr na frente. O que me faz me sentir no século 19. E com pelo menos 15 anos a mais de idade. Também me incomoda essa ostentação gratuita do gênero. Mas é como eles gostam. Cada coisa no seu lugar. E os desajustes se dão em silêncio. Mas a médica, provavelmente uma pessoa esclarecida em termos de multi-culturalismo, insistia em aprender a pronúncia correta. Ela não sabia que eu não me importaria e eu também não quis dizer. As vezes é bom deixar as nossas verdades em lugares inalcançáveis. Mas ela continuou, perguntou a minha língua, a minha origem e eu respondi a tudo monossilabicamente. Sem nenhum complemento, observação ou comentário. Queria evitar a excitação tradicional que um alemão tem ao conhecer o exótico ser que vem do outro lado do hemisfério. Queria evitar que aquilo se transformasse em uma conversa entre duas pessoas. Eu queria ir direto ao ponto, dizer que meu corpo todo ardia e que não fazia nenhuma diferença naquele momento como eu me chamava, de onde eu era e que língua falava. Não fazia diferença quem eu era. Eu era só um corpo que ardia e queria alivio. Só um corpo. E isso é a única coisa que é realmente universal. Enquanto eu repetia a história que já havia ensaiado comigo mesma mais de uma vez, e já havia inclusive checado as palavras difíceis no dicionário, ela preparava uma injeção. Depois, foi ela quem foi direto ao ponto. Me pediu para abaixar a calça ali mesmo, de pé, no meio do hospital. E então me aplicou a injeção. Eu nem tive tempo para pensar. Nem para temer. Eu tentei respirar e não pensar na agulha, na dor, no ridículo da situação de ser aliviada por uma velha alemã de 70 anos. Eu tentava fazer a respiração que aprendi na aula de yoga. Eu tentava ser só um corpo e me concentrar nele, mas minha cabeça não parava. Ela puxava assuntos idiotas para me distrair. Falou algo sobre relaxamento muscular e hiper-ventilaçao. Eu falava Ja, ja...e sabia que seria arriscado demais querer articular uma frase nessa situação. Colocar o verbo no lugar correto e declinar adequadamente os pronomes. Eu queria me concentrar em ser só um corpo. Parecia interminável, mas eu sei que foi rápido. Saí caminhando. Tentava equilibrar em minhas mãos todos os papéis que recebi do hospital, junto com todos os adereços de inverno - as luvas, o gorro, o casaco e o cachecol. Quando finalmente terminei de vestir tudo, percebi que minha perna doía. Cruzei a sala de espera. Cruzei um casal de velhinhos em cadeira de rodas. Tinham olhos curiosos e vestiam tamancos de plástico de cores fluorescentes. Cruzei um casal de meia idade, entretidos com sua pequenez de espírito. Um garoto sozinho, que lia o jornal e tinha diante de si pelo menos 5 copos de cafés já tomados durante a espera. Era de graça. Um carro de resgate chegou, mas estava vazio. Nem sequer eles faziam ruído nesta manhã calma de domingo. No caminho de casa, Janis Joplin começou a cantar na rádio do táxi. Então eu pensei que Janis enfrentaria de frente coisas muito piores do que uma injeção em um hospital alemão altamente higienizado. Então eu deixei todo o medo ir embora e mergulhei na vista que alcançava da janela do carro. O motorista pedia explicações sobre o caminho e eu fingi não saber. Havia neve ainda. Embora o sol estivesse justamente tentando derretê-la. E desse lado da cidade, ela não se transformava em sujeira, mas em pingos brilhantes de água limpa. Havia dignidade e beleza nos pingos que sucumbiam ao sol. A médica me disse que eu me sentiria cansada e com sono depois da injeção. Mas eu fui sentindo uma calma absurda. Eu me senti flutuando numa bolha liquida. Havia beleza e dignidade em sucumbir ao efeito anestésico daquele fluído que entrou em mim via aplicação subcutânea. Eu finalmente sorri nesta manhã de domingo e aproveitei cada minuto da minha felicidade química.

sábado, 22 de novembro de 2008

Schnee




Eu acordei tarde e demorei muito para arriscar sair do meu quarto. Eu já morei neste lugar. No quarto da frente. Por muito tempo. Numero 513. Agora sou numero 515. Mas divido a mesma cozinha. Que tem o mesmo mau cheiro de 2 anos atrás. Coloquei meu pé ao lado do aquecedor e fiquei olhando pela janela. A paisagem, dessa vez, é diferente. Daqui, eu vejo a floresta negra. Uma floresta de eucaliptos, provavelmente replantados, mas muito densa. Ela ainda está verde, mas já há algumas árvores com cores estranhas. Que destoam. Minha pele tem uma cor estranha hoje. Os eucaliptoa se adaptam bem ao inverno, mas visivelmente não estão em seus melhores dias. Talvez isso valha para mim também. Enquanto olhava pela janela, começaram a cair os primeiros flocos de neve. E eu de repente achei que esse é um jeito muito bonito de ser recebida em um novo pais. Me animei a sair na rua e presenciar a beleza efêmera dos flocos de neve. Eles não caem com a violência dos pingos de chuva. Têm uma leveza incrível, brincam ao vento antes de caírem no chão e se tornarem sujeira definitivamente. Não estava frio o suficiente para que a neve se acumulasse no chão. Eu me surpreendi o dia todo comigo mesma desejando que a temperatura baixasse. E isso acaba de acontecer. Acaba de nevar seriamente nesta cidade. A primeira neve deste inverno. E você não está aqui para ver. Você perdeu a coisa mais linda que o frio poderia nos dar.

Saí para caminhar. É quase meia noite e não há ninguém nas ruas. Apenas pegadas de pessoas e bicicletas. Agora eu tenho provas de que não estou sozinha nesta cidade. Eu gosto de fazer caminhos novos na neve e sentir meu pé afundando. E olhar para trás e perceber que eu também deixo provas da minha própria existência. Mesmo que ninguém se importe. Os carros estão cobertos de neve. As árvores também. Faz um silêncio absurdo fora e dentro de mim. Faz um frio absurdo fora e dentro de mim. Eu fico triste em pensar que amanhã essas pequenas montanhas de neve podem se transformar em sujeira. Será apenas mais um segredo que a noite esconderá do dia.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

I don't.

Freiburg, Alemanha. First impressions from earth. Na viagem de trem, eu sentei na janela e deixei que as paisagens me atravessassem. Chovia e os pingos grudavam na janela. Eu não tinha força para chorar e a chuva chorava por mim. Você já me contou dessa sensação e só agora eu compreendi. Ela só pode ser vivida completamente deste lado do hemisfério mesmo. Ela só pode ser vivida em cinza. Eu já conhecia o meu destino. Nos mais pequenos detalhes. E estava tudo no mesmo lugar. Só eu não. Hoje fez o dia mais frio do inverno alemão. É um jeito bem esquisito de ser recebida. Anoiteceu cedo e eu tive um pressentimento ruim. Eu me senti vazia e tive saudades. Percebi que minha alma não veio comigo e eu senti falta dela. I don’t dare.

terça-feira, 4 de novembro de 2008