
Já quase não nos conhecemos mais. Já quase não somos as mesmas. Dizemos coisas que não queríamos dizer. Dizemos coisas para simular normalidade. Coisas com sentido. Encontrar o tom correto para falar. Encontrar o fio da razão e seguir junto a ele. Como as crianças do jardim da infância quando saem para passear na rua, em fila, de mãos dadas para não se perderem. Existe sempre o risco de se perder. De esquecer o próprio nome. Mas tentamos evitá-los a muito custo. E assim corremos o risco diário de decidir seguir, sem perguntar para onde nos levam. Fazemos comentários de quem lê os jornais todos os dias e usa sapatos para sair na rua. Pelo menos eu sempre falo em uma língua que não é a minha. Nunca se é si mesmo em uma língua estrangeira. E eu me sinto protegida por isso. Eu me sinto livre para usar como quiser palavras que não significam nada para mim. Não há limites. Nunca serei descoberta. Falamos sobre sacerdotes e sua prepotência de permanecer intocáveis. E no fundo tudo o que queremos é permanecer intocadas. Tudo o que tememos é permanecer intocadas.
Nunca conseguimos realmente sobreviver à experiência de não estar. De não nos encontrarmos todos os dias no parque. De não nos encontrarmos todos os dias na biblioteca e sair para fumar e comer sanduíches de queijo. De não termos mais as ruas de uma cidade suja e barulhenta para lamentar. De não termos mais bicicletas para roubar. Você agora fala sobre a descalcificação dos ossos e sobre seu novo trabalho. Uma existência que parece se justificar por si só. Uma maneira de não se perder, de não desviar, de camuflar-se. Como uma nova manifestação de um velho fenômeno, percorremos os mesmos assuntos. Para confirmar que algumas coisas continuam ali. Que os lugares vazios ainda não foram preenchidos . Que há ainda lugar para nós mesmas.
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