segunda-feira, 19 de outubro de 2009

a enunciação da localização geográfica de nossos corpos é só uma parte da história. é quase um aparato metafórico para o que realmente importa. os nossos jogos de migrações e permanências são bem mais complexos e eles não têm nada a ver nem com limites, nem com dissolver nossas vidas em idéias. ao contrario. são bem reais. são outras formas de experimentar a liberdade. e a destruição é o começo de tudo.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

the boxer

eu falei com o meu pai sobre simon & garfunkel e ele me disse que sua preferida era mrs. robinson. combina mesmo com ele. mas ambos reconheceram quando eu cantei the boxer. essa semana eu encanei com essa musica. quando ela aparecia era como se a vitrola quisesse me dizer algo. quando eu resolvi prestar atenção na letra, eu entendi que era mesmo a musica sincronicamente colocada no momento certo. eu me assustei e você achou normal. com o fato de que há 40 anos alguém cantou a mesma coisa que cantamos hoje. chegamos todos às mesmas conclusões e elas não são tão triviais assim. eu só me pergunto se isso aconteceu mesmo há 40 anos ou tudo está acontecendo agora. pensando bem me parece natural que o passado simplesmente não exista fora do presente. que só exista o presente e por isso se uma frase dita há 40 anos salta agora da minha vitrola é porque na verdade essa frase está sendo dita agora. ela só existe no exato momento em que chega até mim. e para entender isso vc primeiro pensa no conceito de comunicação e na dependência intrínseca de bilateralidade. e em seguida faz ele atravessar o tempo. para um anjo cantar, é preciso que alguém esteja disposto a ouvi-lo. e isso é atemporal. dizer coisas que um dia soarão familiares e reconfortantes para alguém ao lado de sua vitrola é ser eterno. e para correr o risco de ser eterno basta dizer. basta se arriscar a dizer algo para já não se ter controle sobre a finitude da própria existência. mas de todo o jeito, ainda que não se admita tão explicitamente, nós não temos mesmo muito controle sobre a nossa existência. por isso eu não me assusto quando descobrimos aos poucos nossas vidas repetindo vidas de 40 anos atrás. ou quando descobrimos nossos olhares nos olhos do cantor folk ou nos olhos azuis da garota que mora sozinha no brooklin e grava programas de rádio em duas vozes. não é à toa que um dos meus filmes preferidos é a dupla vida de veronique. e quem disse que meus olhos não são azuis-escuros?

viajar é ir verificar algo inexprimível que vem da alma, de um sonho ou de um pesadelo. eu li alguma vez alguém falando isso, e agora penso que também vale para quando viajamos no tempo. vale para quando queremos viver agora o que existiu há quarenta anos. ser o antes e o depois ao mesmo tempo, sem precisar começar de novo. pois se tempo é só deslocamento no espaço e estamos gritando para todo mundo que não dependemos disso; que a força do nosso pensamento é mais importante do que o espaço físico. então, é só seguir em qualquer direção. é só seguir acreditando nos prazeres platônicos de um mundo sem toques. ou de toques delicados, que voam no vento.

nada demais aconteceu com nós mesmos. no fundo seguimos os mesmos, diferentes. quando eu era criança e ouvia alguém dizendo que tinha mais de trinta, não estava no meu campo de possibilidades imaginar eu mesma com essa idade. eu não podia imaginar um monte de coisas. não faz muito tempo que as coisas com as quais eu sonhava só existiam no tempo de um suspiro. mas agora é como se o tempo congelasse bem no momento desse suspiro. elas existem e, ao contrário do que eu pensava, tudo continua igual. notamos isso quando eu ainda não havia ouvido the boxer direito. sim, é preciso prestar atenção nas letras também. vc se sentia normal
diante do extraordinário e me perguntava se isso estava certo. normal, eu acho que isso significa apenas que mudamos tanto que agora conseguimos ver o que somos. e ser. “é preciso permanecer para mudar”, vc diz e eu concordo. eu também diria que precisamos mudar para permanecer. nada mudou desde que eles compuseram the boxer em 1968 ou desde que eles a cantaram no central park. em 81. embora tudo esteja diferente. now the years are rolling by me, they are rocking even me, i am older than i once was, and younger than i’ll be, that’s not unusual, no it isn’t strange, after changes upon changes, we are more or less the same…

não, eu também não acho estranho.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009



can you imagine us
years from today,
sharing a park bench quietly?

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Låt den rätte komma in


“Seja eu um pouquinho”. É só isso que Eli pede a Oskar. É só disso que um amor precisa. Não é tão difícil assim amar, e só que às vezes as pessoas estão entretidas demais consigo mesmas. Ou simplesmente não querem olhar. Evitam a decepção, como se pudessem evitar os dias de frio. Como se fosse melhor se proteger deles. Mas isso é para aqueles que têm expectativas demais. Que não estão realmente suscetíveis ao outro. Que não conseguem descobrir a beleza dos jardins secos nos tempos de neve. A vantagem de ser um garoto de doze anos que apanha na escola é a de não haver alarmes, nem julgamentos. Talvez seja mais fácil entender o que é amizade e amor de verdade quando vc já foi um deles. Porque viver no mundo das pessoas não-ideais é não precisar fazer perguntas demais e não precisar explicar. Simplesmente entender. Simplesmente aparecer para não passar sozinho uma noite escura. Dar-se mãos mesmo que isso não se encaixe em nada. E não se encaixar não muda nada. Tá tudo certo. Tá tudo certo entre aqueles que ficam em silêncio, nunca sabem direito o que dizer, mas acabam dizendo tudo só com um abraço. No mundo das pessoas não-ideais nós nos sentimos protegidos pela fraqueza do outro. Não duvidamos que o fantástico pode mesmo existir e desejamos incondicionalmente o real.

sábado, 10 de outubro de 2009

isolation


quando vocês foram embora, john continuou dizendo que não acreditava em nada. só nele mesmo. nós já havíamos falado das vantagens da imanência e do homem condenado a sua própria liberdade. e daqueles que não aguentam e preferem lamentar a própria vida e sentirem-se presos nela por ordem de deus ou do destino. formas transcendentais, que aliviam o peso da responsabilidade e que a transformam em culpa. e a culpa nesses casos parece algo muito arbitrário, que vem de fora. provavelmente de alguma igreja. i don't expect you to understand, ele canta. after you caused so much pain; but then again you're not to blame. porque conseguir ou não olhar o outro não tem afinal nada a ver com culpa. tem a ver com o presente. tem a ver com vencer o obstáculo sempre presente das palavras não ditas. a agressividade que no outro é tristeza e que deveriam ser ambas chamadas de amor. você de pé e nós sem saber o que fazer, nos perguntando ao mesmo tempo: what am i supposed to do? what am i supposed to be? nunca seremos. nunca seremos a mesma coisa para cada um de nós. porque eu sou diferente da projeção que você faz de mim e o que eu quero dizer é diferente do que o que você entende que eu digo - isso é inevitável. ainda que pareçamos simétricos do seu ponto de vista, isso é só uma ilusão de ótica. ainda que eu tente antecipar as imagens do que vc vai entender a partir do que eu digo, eu nunca chegarei perto. é inclusive possível que eu me afaste de você. e isso seria ruim. por isso quando nos encontramos em algum lugar longínquo dentro da teia de significados, é quase um milagre. é algo que pode fugir rapidamente de nós, se não soubermos olhar. há coisas que ninguém pode ver e que portanto não sabemos se existe. e por mais estranho que pareça, isso é uma espécie de princípio de sanidade. garante que sempre haverá a possibilidade de aparecer algo surpreendente. possibilidades randômicas, como uma roleta russa. nunca saberemos a hora certa. a conversa foi desconectada porque as nossas cores nesta noite não eram nem complementares, nem pastéis. as cores pastéis podem conviver perfeitamente entre si o tempo todo. não ocorrerão dissonâncias. as cores fortes nem sempre. depende da posição no círculo cromático, assim como a posição dos astros. quer dizer que vai ter noites que quando elas se juntarem na mesma sala, em volta da mesma vitrola, não haverá harmonia cromática. a noite não será calma. a noite será boa, mas estranha. será intensa. ficaremos cansados. nossas retinas fatigadas. às vezes nos sentiremos isolados. e isso não é necessariamente ruim, porque nos alegraremos a cada encontro aleatório. isso quer dizer que vai ter um momento em que cada um vai dizer coisas desconexas, que cada um sentirá profundamente uma coisa diferente e não vamos nos entender mesmo. ninguém será culpado, nem responsável. mas por alguma razão você vai desistir de ir. vai tirar os sapatos, deixar a bolsa no canto e sentar-se no sofá novamente. isso é conseguir ver o outro mesmo quando o fog está denso. o vinil acaba de tocar e eu tenho preguiça de levantar para virar o lado. é que às vezes eu acho que nossos dramas são tão imaginários quanto a nossa felicidade. mas também pode ser exatamente o inverso.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

8/10


todo ano eu me lembro que foi hoje que mataram o che guevara. nós costumávamos lembrar disso na época de faculdade e sair para beber. nós, poucos. mas sempre. continuei lembrando dessa data em todos os outubros e já faz quase dez. e só este ano eu descobri que meu avô também morreu nesse dia. este ano fui ao cemitério com a minha mãe e minha irmã, sentamos em frente à sepultura dos meus avós e tomamos sol. nos pareceu um lugar adequado para um picnic. me pareceu adequado sair para comemorar a morte, porque é exatamente a mesma coisa que comemorar a vida. eu me surpreendi qdo olhei essa data marcada em relevo na lápide do meu avô. um conjunto de números, que formavam um palíndromo exato com o dia do meu aniversário. não precisávamos ser tão literais, né, vô? mas sempre tem o dia em que vc vira os seus antepassados. o dia em que sua família vira seus heróis. e que seus heróis viram sua família.