domingo, 14 de setembro de 2008

Tchaikovsky

Eu estava cercada por senhoras de meia e máxima idade com cabelos pintados de cores ocres. Percebia o cheiro de perfume forte misturado com laquê, que ia aos poucos preenchendo a sala e se sobrepondo ao cheiro de madeira nova, que aquelas paredes ainda exalam. Os homens vestiam-se conforme manda o figurino pseudo-relaxado: blazer azul marinho e calça bege, sem gravata. Todos com cabelos grisalhos, às vezes calvos, e cara de quem exerce algum cargo da burocracia esclarecida do governo do Estado. Havia um burburinho saltitante dos iguais que se encontravam no templo da cultura. A música começou logo e o prazer de estar ali – a preços nada módicos, diga-se de passagem – se sobrepôs à minha revolta de classe. Os sons entravam pelo nariz e anestesiavam a minha gengiva. Enquanto eu me concentrava nos movimentos rápidos dos instrumentos e na dança do maestro, a minha cabeça ia aos poucos se esvaziando. A matéria ao meu lado ia se dissolvendo e eu finalmente pude fechar os olhos e pensar em Pateta, aquele cachorro antropomórfico que eu adorava ver quando criança. Era muitas vezes ao som de Tchaikovsky que ele exibia seu sorriso pastoso e seu andar cambaleante e disseminava a ideologia do bom pater familiae, capaz de enfrentar o dia-a-dia do homem comum com bom humor e inocência.

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