quinta-feira, 28 de maio de 2009

city of glass

estou sentada em um café em denver downtown. uma excursão de crianças brancas que usam boné acabou de entrar. elas fazem fila para comprar e a atendente chama cada um de buddy. ela vai falar buddy umas cem vezes até todos os moleques comprarem seus cookies. bob dylan toca desde que eu entrei e o garçom magro de uniforme vinho que anda pelo salão a procura de pratos a serem recolhidos canta a letra de suas musicas baixinho. assim como eu. talvez eu entenda exatamente o alcance do folk aqui. eu tenho que esperar quatro horas até ter um quarto de hotel e estou achando bom ter horas para gastar e não correr o risco de querer utilizá-las. poder observar calmamente os hábitos da população local. os velhos aqui usam cabelo cumprido, barba branca e camisa xadrez. na verdade muita gente aqui usa camisa xadrez. menos as mulheres. talvez aqui eu entenda o alcance da camisa xadrez. o café americano é sempre decepcionante, mas aprendi que se comparado ao café expresso, na mesma quantidade, o café americano tem mais cafeína. mesmo sendo mais aguado. tem algo a ver com a forma de extração. sempre podemos nos surpreender com o trivial. até proust ficou famoso por dizer o trivial: a descoberta é ver a mesma coisa com olhos diferentes. aqui o sol é forte e eu vejo as montanhas com picos de neve ao redor da cidade. quatro horas de avião de nyc até aqui e foi como ter mudado de continente. um continente em que há 300 days of sunshine a year, com coyotes, alces e cowboys. e não é um parque temático. vc me pergunta o que eu achei de nyc e eu não sei te responder. ou eu nunca vou conseguir entender o seu alcance ou eu já entendi tudo. apesar das armadilhas, eu gostei de estar ali. eu comi o melhor cheese cake de todos os tempos e vi uma quantidade estúpida de quadros caros e famosos. eu andei chapada pelo parque e dormi na grama. eu fui ao maior e mais organizado sebo que eu já vi na vida (strand bookstore, na broadway, esquina com a 12) e saí de lá pensando em parar de trabalhar para começar a ler agora tudo o que me interessa ler. poderia vestir minhas roupas da american appareil, morar em williamsburg e passar o dia todo lendo no parque. quando cansasse tomaria suco orgânico de maça e gengibre e contemplaria de longe a ponte, a água e o aglomerado de prédios de manhattan. ontem eu andei pelo village e senti uma espécie de nostalgia imaginaria. todos os nossos ídolos moraram no village nos anos 60 e tropeçavam naqueles degraus da frente dos seus prédios quando chegavam bêbados no meio da madrugada. eu andei por uma rua com um milhão de escolas de yogas e lojas de produtos naturais e pensei que nos adaptaríamos bem a esse modo de vida. pode ser pura prepotência minha, mas o fato é que nyc não me surpreendeu. poderíamos nos mudar para lá amanhã e seguir nossas vidas naturalmente with no alarms and no surprises. repetiríamos os mesmos hábitos, correríamos no parque, compraríamos orgânicos, comeríamos salmão em alguns restaurantes bons. seríamos proust ao contrario? haveria festival de cinema. compraríamos vinis e livros. com a única diferença de que tudo isso seria mais acessível e mais barato. porque há mais restaurantes vegetarianos e mais lugares que vende café com leite com leite de soja. uma questão de escala simplesmente. eu acho que a única diferença real é a de que seríamos menos julgados. o melhor dessa cidade parece ser a sensação de liberdade. a liberdade de não ser julgado. ou de não ser visto. mas talvez eu nunca saiba dizer o que eu achei desta cidade porque eu não me deixei penetrar por ela. andei por ela com a certeza de quem atravessa de patins uma superfície de gelo. com o desinteresse de quem já a conhece. com a solidão de quem já tem a si mesmo. com a frieza de quem está triste.

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