domingo, 1 de março de 2009

Ou est passé la réalité?

Na sua festa, eu olhei para as pessoas ao meu redor e comecei a dividi-las em dois grupos: aqueles que dançam conforme a técnica e aqueles que se movem por puro instinto. É claro que eu estava criando tipos ideais que não existem, não são puros e não definem um ser, mas sim um estado. Mas esses estados me pareceram reais naquele momento. Tudo começou quando eu observava a beleza perturbante do seu corpo se movendo sem controle. Fora do ritmo, como se estivesse aprisionado em um transe interno. Eu o comparava com nosso jeito menos agressivo de nos mover. Mais compassado. Talvez mais inocente. Ainda tínhamos a percepção do mundo exterior, do espaço que ocupávamos, do ritmo da música. Quando eu fechava os olhos, eu podia ainda imaginar a disposição dos móveis e das pessoas ao meu redor. Eu podia pensar nelas. Havia consciência ainda. Mesmo que improvisada e espontânea, nossa coreografia tinha ainda um sentido. E isso quer dizer que ainda podíamos controlar os impulsos e enviar comandos aos nossos membros desde o nosso cérebro. Depois disso eu não me lembro mais de muita coisa. Eu tenho a impressão de que posso ter dormido na pista, enquanto meu corpo ainda se movia. Eu me pergunto se esses movimentos produzidos em estado de quase sonambulismo chegaram a se parecer com os seus. Quando eu acordei, eu me dei conta de que já estava vivendo em um mundo com temporalidade diferente. Era eu quem determinava o ritmo das coisas, inclusive dos meus passos. Não seria mais obrigada a adaptar o meu metabolismo a referências externas. Eu me perguntei se isso seria um sonho, mas achei que não. Afinal, não há nada mais real que isso. Nada mais real que ouvir o seu próprio corpo e determinar a velocidade da sua vida. Por isso eu penso em você dançando e acho que talvez você tenha sido a pessoa mais real daquela festa. A mais verdadeira com você mesmo. Eu me lembro de ter lido uma vez um texto que falava das pessoas que se negavam a comer de manhã, porque a comida as faria voltar depressa à realidade e se despedir dos sonhos. Nos primeiros momentos da manhã, ainda nos movemos em uma mistura cinzenta entre o onírico e o real. Há um fog espesso acolhendo nossos movimentos lentos e preguiçosos. Interceptando o excesso de luz que pode machucar nossos olhos. Ainda pensamos no que acabamos de viver como se estivéssemos dentro do próprio sono. É o café quente, preto e amargo que ingerimos ainda nas primeiras horas da manhã que arbitrariamente define o que é sonho e realidade. Define externamente os nossos ritmos vitais. Não devemos acreditar sempre nessas definições. Não devemos aceitá-las passivamente. Por isso, não devemos contar nossos sonhos quando já está claro. Melhor guardá-los como segredos. Quando os nomeamos sonhos, traimos a nós mesmos. Assim como quando dançamos em um ritmo que não é o nosso.

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