domingo, 19 de abril de 2009

avez-vous l’habitude de partir?

Agora nossa casa me olha como se eu fosse uma estranha. É como se os porteiros já soubessem que eu sou uma intrusa e os vizinhos me olhassem diferente no elevador. Eu deito no sofá e ajeito a minha postura, como se não estivesse entre amigos. Como se até as lembranças que eu levar daqui terão sido roubadas. Eu ouço os objetos sussurrando coisas sobre mim. Eles também não querem partir. Eles não partirão. Eles simplesmente não se movem. E não fazem menção de me acompanhar. A vitrola continua arranhando os discos, como se nada estivesse acontecendo. A minha respiração ofegante não afeta sua velocidade. A voz da cantora não tem doses adicionais de tristeza para se adequar à ocasião. Os quadros me olham brevemente e voltam a se acomodar nas paredes. O vizinhos do prédio em frente encenam para mim suas vidas cotidianas e não o fazem como se fosse a última noite de uma temporada. As paredes coloridas não ficarão mais pálidas sem mim. A samambaia da cozinha continuará crescendo. As traças que roem os livros andarão mais livremente. Tudo permanecerá igual. O pequeno espaço vazio que meu corpo deixará logo será acomodado pelo cotidiano. Pelo sol que entra no quarto pelas manhãs e se põe na sala todas as tardes inelutavelmente. A vida aqui vai continuar sem grandes alardes. Talvez apenas mais silenciosa. Sobrará mais comida na geladeira. Você dormirá mais noites no sofá. Meu tênis não estará mais atrapalhando os caminhos. Haverá menos desordem talvez. A ausência do piano será lamentada nos dias de festa, mas outros instrumentos poderão preencher os seus silêncios. Agora eu sinto que meus pés estão mais pesados que os pés desta cadeira. E tão fincados no chão quanto os dela. Trata-se de algo sobre a minha natureza que eu nunca soube explicar. Talvez seja algo pouco humano que aos poucos vou descobrindo sobre mim mesma. Mover-se não deveria ser tão difícil. Partir para ocupar novos espaços deveria ser mais natural, mais orgânico. Mas agora eu me sinto pesada demais para arrastar meu corpo pelo piso de madeira desta sala sem deixar marcas e sem fazer ruído.

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