segunda-feira, 22 de junho de 2009

segunda-feira ao sol.

hoje a moça da padaria disse que um dos meus olhos estava menor que o outro. e me perguntou se havia acontecido algo. eu achei que pudesse ser terçol. um doença que eu nunca tive, mas sempre tive medo de pegar na escola. depois me lembrei que talvez pudesse ser o olho inchado depois da noite de ontem. em uma noite triste e fria de domingo sempre se corre o risco de chorar. mas eu me pergunto se é possível que eu tenha chorado mais com o olho direito do que com o esquerdo. e se isso pode fazer alguma diferença no tipo de choro que a gente chora. assim como há diferença quando se chora de alegria ou de tristeza. eu pensei em prestar atenção da próxima vez para ver se eu choro porções equânimes de lágrimas por cada olho ou não. eu não acho ruim acumular conhecimento sobre esse tema. é como aprender a se agasalhar no inverno. compressa de algodão com camomila diminui o inchaço do olho e deixa um cheirinho bom na pele. sempre há espaço para que pequenos prazeres sobrevivam em períodos ruins. talvez eu tenha dormido com o livro colado no lado direito do meu rosto e apenas não havia ninguém aqui para colocar o livro na mesa de cabeceira depois que eu pegasse no sono. mas eu não me importei com o comentário dela. nada mais pode me atingir depois que descobri aos trinta anos que sofro de um leve estrabismo. que dependendo do dia pode se tornar grave e notável. aos trinta anos eu também descobri que queria aprender a tocar piano e hoje fui à escola de música para fazer a primeira gravação de eu tocando. toquei três musicas. errei a segunda parte da última delas e pedi para voltar. gravei de novo e deu tudo certo. tocar certo aquelas três musicas era o melhor que podia acontecer no dia de hoje. e no final aconteceu. as manhãs de segunda-feira sempre são melhores que as noites de domingo. a espera é sempre pior do que o que realmente é quando o que realmente é chega. ou pelo menos quando chega aquilo que pensamos ser o que realmente é. de qualquer modo, a questão é que não vale a pena sofrer por antecipação. e muito menos tentar prevenir o sofrimento. prevenir um sofrimento é fazê-lo existir apenas com a força da imaginação. e uma vez que ele existe, daí você é obrigado a sofrê-lo. prevenir é não dar a chance para que o sofrimento não apareça. é antecipar a dor só porque não se consegue conviver com a incerteza. mas é impossível fugir da dúvida nos dias de hoje. sobrevivemos ao fim das tradições e das religiões e à destruição de todas as certezas da ciência. ou seja, nada é capaz de explicar o que vivemos. e aprender a conviver com a incerteza provavelmente será a única vantagem evolutiva importante deste século. eu já não ouço passarinhos às segundas-feiras. do meu novo quarto eu ouço o barulho da rua começando cedo e as pessoas saindo de suas casas para irem trabalhar. para um passarinho voar, ele precisa da asa certa, da pressão certa e do ângulo certo e eu acho que a essas pessoas só faz falta o ângulo certo. muita coisa no mundo depende dos ângulos, mas eu nunca mais tive um compasso no estojo desde o terceiro colegial. não ter um compasso no estojo é o mesmo que não ter mais um relógio de pulso. é olhar de frente o desconhecido e não ter medo de ser fotografado. a beleza é apenas uma questão de estar no ângulo certo quando se é fotografado. eu procuro um resto de calor no cobertor enquanto posso dormir mais um pouco. depois saio andando no sol até a padaria e a semana já não me assusta. é bem capaz que o tamanho dos meus olhos tenha se equalizado depois do café. quando eu tomo o meu primeiro café do dia é como se o meu cérebro inchasse de tamanho. como uma bexiga murcha recebendo ar. a professora de piano disse que vai me passar o arquivo da minha gravação em mp3 na semana que vem e eu fiquei ansiosa. o garoto que iria entrar para gravar depois de mim devia ter uns dez anos e estava tão impaciente quanto eu. naquele momento não havia diferença alguma entre eu e o garoto de dez anos. inclusive nós dois usávamos moletons azul marinho de zíper e carregávamos o mesmo livro. eu queria saber se ele iria tocar a música 21 e 22, assim como eu, mas acabei ficando com vergonha de perguntar. de qualquer modo, tecnicamente estávamos ali pelo mesmo motivo. é muito bom saber que se pode ter dez anos de novo aos trinta. é como nascer de novo já com dentes e sabendo falar. dessa vez eu nasci sem medo de errar. eu não liguei de ter errado a segunda parte da última musica. não haverá conseqüências. a professora disse que vai editar a gravação e eu vou ficar só com a parte boa. errar é como sentir o terreno. deslizar a mão para fora da janela para ver se agüentaremos o frio. e ficar com a parte boa no final.

2 comentários:

t. disse...

agora, toda vez que ouço harrowdown hill, eu me lembro só de você.

leila fletcher disse...

we think the same things at the same time. we just can´t do anything about it.