terça-feira, 2 de junho de 2009

winnipeg, colorado






há um vôo saindo para winnipeg vinte e cinco minutos depois do meu. e eu me pergunto se winnipeg existe no mapa ou se é apenas o nome genérico desse tipo de cidade que eu ando gostando de visitar ultimamente. cidades pequenas, situadas no interior de algum estado de importância geográfica secundaria, de onde eu posso ver campos alaranjados, plantações e horizonte cor de rosa no final da tarde. onde o ar é mais limpo e o céu mais claro. onde se pode andar em caminhos de terra traçados entre as árvores até um pico de onde se vê o vale, a cidade bem pequena ao fundo, um conjunto de montanhas à direita e o sol se ponto à esquerda. é como se houvesse uma passagem secreta ligando todos esses lugares, de onde se pode passar diretamente de um hemisfério ao outro como se estivéssemos navegando em uma conexão rápida de internet. não que eu ache que isso seja algo sobrenatural. eu apenas acredito no poder do silêncio e do relaxamento das pupilas para nos levar para bem perto de nós mesmos.

eu poderia entrar nesse avião que vai para winnipeg ou em qualquer um dos vôos que partem deste aeroporto internacional na próxima hora. eu poderia passar alguns dias em qualquer que seja o lugar para onde eles me levem. eu poderia ficar aqui e ir amanhã ao show ao ar livre do leonard cohen no red rock amphitheatre. ou esperar o the killers tocar aqui no próximo mês e no meio tempo tentar subir em mais um dos 55 picos ao redor de denver. também não seria difícil voltar para nyc só para ver a pj harvey no beacon theatre na semana que vem. há vôos para lá em todas as horas pares. as pessoas embarcando no portão ao lado estarão em frankfurt amanhã. poucas horas a separam de um passeio no fim da tarde ao longo do rio main ou de um dia calmo em uma das bibliotecas públicas mais lindas que eu já conheci. estar em um aeroporto te faz lembrar da quantidade enorme de opções de lugares para passar os próximos dias. talvez seja recomendável que visitemos um aeroporto internacional de vez em quando. as pessoas andam apressadas de um lado para o outro. o soldado americano carregando sua mochila imensa caminha com o orgulho de um derrotado. e eu penso que se eu escolhi entrar nesse vôo que sai em dez minutos para washington e depois me levará direto para são paulo é porque eu escolhi abrir mão do leonard cohen tocando ao ar livre em plena primavera no meio das montanhas vermelhas, do killers, da pj harvey, do rio main e da biblioteca pública cheia de vidros de onde se vê o jardim florido. e isso quer dizer que realmente tem que valer a pena voltar.

o aeroporto internacional de denver fica a quarenta minutos da cidade e no meio de um campo quase desértico. é um deserto em sentido técnico, mas não é um deserto de areia como imaginamos toda a vez que pronunciamos essa palavra. o prédio do aeroporto é uma estrutura metálica que surge de repente no meio de um campo amarelo e interrompe a seqüência infinita de nuvens brancas no céu azul turquesa. é certamente um estranho para a arquitetura local feita de estábulos de madeira escura e povoada prioritariamente por cavalos e búfalos. há pássaros cortando o céu, mas eu não sei se eles vivem aqui ou estão de passagem. além de mim, do motorista do táxi e dos passageiros que ocupavam os poucos carros que nos ultrapassaram no caminho, eu não vi mais nenhum ser humano ocupando essa paisagem infinita. é possível que o deserto invada o aeroporto em bem pouco tempo. o vento aos poucos traria a terra para dentro desse saguão e ela se acumularia a partir dos cantos, com a conivência das faxineiras mexicanas. eu acho que de alguma forma isso já começou a acontecer porque qualquer um que se sentar em uma das cadeiras da área de embarque do terminal b e olhar para cima verá que os passarinhos já tomaram esse prédio de carpete cinza, vidros fume e ar condicionado controlando a temperatura ambiente. eles voam calmamente de um saguão para o outro, pousam nas cadeiras ao lado da janela, alimentam-se das migalhas que as crianças deixam cair de seus sanduíches e eventualmente cantam. às vezes eles deixam escapar um som tão alto que podem ser confundidos com o som do alto falante. mas por enquanto poucas pessoas parecem notar essa ocupação silenciosa. em dez dias, essa é a primeira exceção que eu encontro a algo que se pode denominar uma terra sem sutilezas. e não me surpreende o fato de que ela não tenha nada a ver com a civilização local.

se vc algum dia vier para denver, colorado, entenderá exatamente o que é a ausência de meio-tons. tudo aqui funciona por contraste, como o clima no deserto. você morrerá de calor e sede durante o dia e quando sair na rua à noite usando roupas leves vai sentir o seu corpo realmente congelando. no primeiro dia vai entender que é assim que funciona o clima no deserto e que todo o resto segue exatamente a mesma dinâmica. essa parece ser a regra básica para se acostumar com esse lugar: tudo muda muito rápido e drasticamente. o dia pode amanhecer azul e em menos de meia hora chover uma tempestade cinza escura com raios e trovões. e o sol certamente voltará a aparecer em menos de um quarto de hora depois que as últimas gotas de chuva cairem. se você andar pela cidade, vai cruzar cowboys autênticos e cinco minutos depois quase ser atropelado por um garoto de boné, calça baixa e camiseta surrada com a estampa de uma banda indie rock andando de skate pela calçada de cimento. alguns bares estarão cheios, haverá musica alta, pessoas bebendo cerveja e rindo alto e um bloco adiante a rua estará absolutamente vazia e quieta como se a cidade toda já estivesse dormindo. há muito vento por aqui. e muitas mudanças podem vir com o vento. ou com as empresas de petróleo. ou com as políticas de desenvolvimento regional. gary me explicou que recentemente houve uma tax policy do governo do estado que fez com que muitas empresas se mudassem da califórnia para cá. empresas de tecnologia e de energia, que aparentemente impactaram a economia local anteriormente movida por agricultura e pecuária. parece que desde que o ouro daqui acabou, no século dezenove, nada de muito significativo havia acontecido, exceto os filmes de john wayne. mas agora denver tem um centro financeiro com prédios altos de vidros espelhados, lojas de marcas internacionais e homens de terno circulando apressadamente pelas ruas durante os horários comerciais. mas se vc se afastar desses quarteirões chiques e andar dez quadras até a 7th street vai encontrar um bairro inteiro com prédios velhos de tijolos marrons corroídos e bares que se chamam shelby’s ou the fainting goat. e vai ver que o western e os búfalos ainda estão na raiz desse lugar. vai conversar com gente que conta que pela manhã seus cachorros quase foram comidos pelos coyotes. pessoas que não tomam banho há algum tempo e que vão te contar sobre os shows de rock que elas presenciaram no final dos anos 60, quando grateful dead e jefferson airplane tocaram no teatro a céu aberto. você vai ver mulheres negras obesas, com quadris enormes, ainda que as estatísticas nacionais digam que o colorado é o estado americano com a menor proporção de obesos na população. você certamente simpatizará com os ídolos e mitos locais: o índio sioux, o cowboy que masca um pedaço de grama no canto da boca e o astronauta john jack que pisou na lua pela primeira vez. você vai acabar achando que o colorado tem muito mais a ver com a cidade de onde você veio do que você imagina. eles também comem muita carne e bebem em excesso. vomitam na calçada, andam de carro e terminam a noite vendo o sol nascer em algum dos morros que rodeiam a cidade. sentindo-se tão reais quanto o ar frio da manhã.

Um comentário:

geheimnis disse...

denver é lajeado.
agora entendo.