sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
sunglasses at night
Ontem o Andreas me contou sobre a depressão por falta de luz. Algo muito comum nesse lado do hemisfério nessa época do ano. Eu achei que posso estar com os sintomas disso. Eles chamam de seasonnal affective disorder (SAD). Eu procurei mais informações na internet. Eles dizem que os SAD são any people who complain of feeling down, having less energy, putting on a few pounds, and having difficulty getting up in the morning throughout the dark, short days of winter. E eu penso na minha vontade diária de me afundar na cama todas as manhãs. De dar o dia por perdido e ficar ali encolhida com meus cobertores, sem hora para sair. Na preguiça de ter que viver mais um dia sem justificativa para existir. É sempre um alívio se reconhecer nas descrições de disfunções orgânicas. É sempre um alívio ter uma explicação fisiológica para a dor. Eu me alegro por poder colocar toda a culpa na falta de luz e não pensar mais no resto. People suffering from SAD experience these and other symptoms to such a degree that they feel unable to function normally. They often feel chronically depressed and fatigued, and want to withdraw from the world and to avoid social contacts. Como soa bonita essa expressão: withdraw from the world. E quantas vezes eu não tive palavras para definir isso.
Ele me emprestou a sua máquina de luz. Isso mesmo, ele tem um aparelho que simula a luz solar e o utiliza para fazer terapia de luz todas as manhãs. Não é para bronzear, é para suprir a exposição deficitária à luminosidade nesses dias escuros e curtos. Eu comecei a fazer isso desde ontem. Ligo a máquina e é como ter um sol dentro do meu quarto minúsculo. Eu imagino como deve ser olhar a janela do meu quarto de fora neste momento e não entender. Assim como eu olho para as pessoas felizes aqui e não entendo como. Eu me sento meia hora na frente dessa luz e espero que algo aconteça. Só vai acontecer daqui cinco dias, diz Andreas. Eu fecho os olhos e lembro da gente na praia. Do calor no nosso rosto, sem precisar fazer nada. Do nosso corpo esquentando sem precisar de aquecedor. Da gente sorrindo sem ter motivo. Ter luz é um pressuposto que não questionamos. Jamais pensaríamos em pagar 250 euros para comprar uma máquina de fazer luz. Ela simplesmente está lá quando acordamos. E tudo o que temos são objetos para evitá-la. Óculos de dormir, cortinas, óculos escuros, protetor solar, guarda-sóis. Formas de ingratidão. Eu olho para mim mesma sentada em frente desse bloco luminoso e penso que isso deve ser o retrato de alguém triste, mas que ainda acredita.
Ele me emprestou a sua máquina de luz. Isso mesmo, ele tem um aparelho que simula a luz solar e o utiliza para fazer terapia de luz todas as manhãs. Não é para bronzear, é para suprir a exposição deficitária à luminosidade nesses dias escuros e curtos. Eu comecei a fazer isso desde ontem. Ligo a máquina e é como ter um sol dentro do meu quarto minúsculo. Eu imagino como deve ser olhar a janela do meu quarto de fora neste momento e não entender. Assim como eu olho para as pessoas felizes aqui e não entendo como. Eu me sento meia hora na frente dessa luz e espero que algo aconteça. Só vai acontecer daqui cinco dias, diz Andreas. Eu fecho os olhos e lembro da gente na praia. Do calor no nosso rosto, sem precisar fazer nada. Do nosso corpo esquentando sem precisar de aquecedor. Da gente sorrindo sem ter motivo. Ter luz é um pressuposto que não questionamos. Jamais pensaríamos em pagar 250 euros para comprar uma máquina de fazer luz. Ela simplesmente está lá quando acordamos. E tudo o que temos são objetos para evitá-la. Óculos de dormir, cortinas, óculos escuros, protetor solar, guarda-sóis. Formas de ingratidão. Eu olho para mim mesma sentada em frente desse bloco luminoso e penso que isso deve ser o retrato de alguém triste, mas que ainda acredita.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
bass song
Meus textos estão ficando meio emo nos últimos dias e eu estou achando isso um saco. Mas não é proposital. Eu simplesmente fiquei assim e não estou sabendo como me livrar disso. Talvez eu esteja me afogando na escuridão e esteja apenas pedindo ajuda. Talvez eu escreva para engolir o choro quando ele vem de repente no meio da biblioteca. Eu tenho passado o dia todo tentado me manter sentada com a coluna ereta até bater o sinal que avisa que a biblioteca deve ser evacuada. Eu sei que uma hora eu vou conseguir seguir uma idéia até o fim e me esquecer da tristeza. Eu só não sinto que tenha energia o suficiente para fazer alguma coisa brotar de mim mesma agora. Então resolvi aumentar a chance de que algo aconteça. Eu comprei chocolate com alta concentração de cacau e chás de diferentes tipos e passo o dia lendo tudo o que eu puder e a minha pouca concentração deixar. Talvez um céu azul fosse tudo o que a vontade precisasse para aparecer de novo para mim. Mas na falta dele, eu busco reconhecer algum sinal de vida nas coisas que leio. Eu tento sentir de novo a mesma atração que o desconhecido já exerceu sobre mim. Eu abro um novo livro e me esforço para me lembrar da excitação que eu costumava sentir nesse ato. E que não há mais. Eu estou tentando segurar firme mesmo que só veja tons de cinza e de branco ao meu redor. E frases que não me surpreendem. Como quando fazemos exercício e os músculos começam a doer e depois a tremer e é como se estivessem queimando por dentro até acharmos que se não pararmos no minuto seguinte vamos desabar. Mas não. Prendemos a respiração, apertamos os olhos e agüentamos mais um pouco. E assim eu passo para a próxima página.
Eu estava concentrada quando de repente ouvi o estrondo. Um pássaro bateu com tudo contra o vidro e caiu morto. Suas penas ainda planavam no ar e seu corpo já estava duro no chão. O carro de policia azul passou bem neste momento, mas não queria saber da morte do pássaro. Eu me pergunto se ele quis se matar ou se apenas foi enganado pela translucidez dessas paredes de vidro. Eu fico pensando se os arquitetos pensam nos pássaros quando decidem construir um prédio de vidro na beira da floresta. Se há estudos indicando que as aves são capazes de compreender o obstáculo de vidro ou se eles apenas pressupõem que sim. Às vezes há coisas demais pressupostas. Não deveriam pressupor que todos sabem o que acontece quando se voa em direção ao vidro. Não deveriam pressupor que todos querem evitar o encontro fatal com o vidro seco. Há muitas vítimas da má arquitetura que nunca serão contabilizadas.
Eu estava concentrada quando de repente ouvi o estrondo. Um pássaro bateu com tudo contra o vidro e caiu morto. Suas penas ainda planavam no ar e seu corpo já estava duro no chão. O carro de policia azul passou bem neste momento, mas não queria saber da morte do pássaro. Eu me pergunto se ele quis se matar ou se apenas foi enganado pela translucidez dessas paredes de vidro. Eu fico pensando se os arquitetos pensam nos pássaros quando decidem construir um prédio de vidro na beira da floresta. Se há estudos indicando que as aves são capazes de compreender o obstáculo de vidro ou se eles apenas pressupõem que sim. Às vezes há coisas demais pressupostas. Não deveriam pressupor que todos sabem o que acontece quando se voa em direção ao vidro. Não deveriam pressupor que todos querem evitar o encontro fatal com o vidro seco. Há muitas vítimas da má arquitetura que nunca serão contabilizadas.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Eu comecei a fazer um exercício para tentar me perder da minha alma. Ou soterrá-la embaixo da neve, até que ela comece a respirar tão de leve que seja difícil de perceber. Como se fosse possível dar morfina à alma. Pelo menos para ela me dar paz por um tempo. Pelo menos para aliviar o sofrimento físico. Eu passo o dia bolando planos para conseguir chegar até a próxima hora. Tentando viver na superfície, onde não há muitas surpresas. Onde não há espaço para bipolaridades. Onde podemos nos dedicar apenas a tarefas diárias. Onde o dia passa entre uma refeição e outra. Onde toda a atenção é necessária para encontrar a programação correta da máquina de lavar roupa. Onde não é preciso entender, nem ter razões. Eu gostaria de poder fazer o tempo passar bem rápido ou esperar por alguma coisa. Porque quando esperamos por algo é possível usar o último estoque de energia para viver da promessa. A promessa é uma estratégia de emergência para sobreviver quando não se tem coragem. Eu sei que olhando de perto é possível perceber a diferença entre atos de desespero e atos de coragem. Mas não tem ninguém me olhando de perto.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
in the mausoleum
Você foi embora e o eu transformei saudades em raiva. Eu senti raiva por ter ficado sozinha. Você destruiu em poucos dias todo o sistema de proteção que eu tinha criado para sobreviver à solidão e ao frio. Eu tive raiva de você porque você veio, desestabilizou a minha organização interna e foi embora como se nada tivesse acontecido. E agora está na minha casa, com as minhas coisas, vendo os meus amigos e o meu pôr-do-sol. Podendo fazer tudo o que eu não posso. E não fazendo só para exercitar a discricionariedade. Sentindo um calor de que você nem mesmo gosta. E agora eu tenho a obrigação de ficar bem. De ficar equilibrada. De ser produtiva. De olhar para o lado e dizer bom dia para as pessoas que começam o dia bem humoradas. De manter a calma e declinar adjetivos corretamente. De dizer que eu ainda te amo. Agora o frio corta a minha cara e é como se eu estivesse nua. E eu nem mesmo me curei da gripe ainda. O meu peito ainda dói toda a vez que eu tusso e não tem ninguém aqui para ouvir. E a tosse vem cada vez mais alta até me deixar cansada de tanto gritar. Se você não tivesse vindo talvez eu não percebesse. Eu não iria querer ter podido te mostrar o rio congelado. A neve em cima das árvores. As flores que sobreviveram ao frio. As flores que eram eu até você me fazer secar. Talvez eu nem quisesse que você estivesse aqui na noite de lua cheia. Talvez eu me lembrasse que você nem ligaria. Talvez o melhor seja a solidão crônica e duradoura mesmo. Porque nem se percebe mais. Não se sente mais nenhum incomodo. Não se espera nada. Porque quando não se sente de novo a sensação de relaxar no ombro do outro é mais fácil não pensar. E então somos poupados do desafio de ficar de pé novamente. E não teremos vergonha por não conseguir. Talvez seja melhor não ter com quem contar e nem por quem esperar. Talvez seja mais fácil já estar morta.
Aqui na entrada da floresta tem um fila de traillers estacionados e eu fico pensando nas pessoas que sobem para acampar lá no meio da mata. Eu fico pensando no ato de acampar. Toda uma parafernália de instrumentos específicos desenhados para serem carregados numa mochila impermeável, construídos com materiais especiais, justamente para se conseguir viver uma vida simples. A tecnologia a favor do simples. Toda uma preparação apenas para sobreviver e experimentar o desprendimento fora da cidade e da sua própria casa. Parece uma contradição, mas quem sabe seja só as pessoas se dando conta do óbvio. Eu fico pensando no quanto nos faz falta uma vida mais simples. Uma xícara de café quente satisfazendo todas as angustias. O tempo gasto com olhar para o horizonte. Surpreender-se com a natureza. Deixar-se morrer com o pôr-do-sol. Eu fico pensando no abridor de latas que ninguém usa mais e nos objetos que vão aos poucos ficando obsoletos. Eu olho em volta e penso nas coisas que um dia serão vendidas no mercado de pulgas. O tempo passando e as nossas coisas ganhando valor. O tempo passando e eu usando roupas de três décadas atrás como se fossem novas. O tempo passando e as pessoas reinventando a roda em material reciclável e anti-oxidante. A roda que nos levará para o meio da floresta. Onde os milagres acontecem. Onde a mesma matéria orgânica que existe lá há séculos é capaz de nos surpreender a todo o instante. Onde nada fica obsoleto.
Eu vi o novo filme do Wim Wenders. Palermo Shooting. Eu acho que ele fez um filme para si próprio. Talvez os cineastas vivam mais tardiamente a crise de meia idade porque têm a falsa impressão de que estão vivendo mais intensamente que os outros. De que podem viver várias vidas. Tantas quantas forem as realidades que criam. Misturam suas próprias vidas com a vida dos seus filmes e não se dão conta da vida passando. A vida passando e eles achando que podem viver a vida dos seus personagens. A vida passando e eles achando que podem construir artificialmente a neve. É certo que estão construindo um jeito de viverem após a morte. Mas não é um jeito plausível de substituir a vida antes da morte. E quando percebem que se enganaram, fazem um filme sobre alguém vinte anos mais novo tendo uma crise de meia idade. Como se isso lhes valesse os vinte anos passados sem perceber. Como se isso lhes colocasse de novo a vinte anos atrás, quando ainda era possível escolher. Mas eu não preciso ser condescendente com Wim Wenders. E nem psicoanalisá-lo para falar mal de seu filme. Ele não foi generoso comigo. Achou que poderia me dar uma aula. Uma aula chata sobre uma vida linear e sem mistérios. Uma aula em que todas as perguntas são respondidas. Todos os símbolos são explicados. Há sempre uma palavra em alemão para desvendar os segredos. Eu não entendo porque alguém utiliza símbolos se depois vai querer explicá-los todos. Tim-tim-por-tim-tim, como diz a minha mãe. Seria melhor escrever um texto no jornal. Me pouparia o dinheiro do ingresso. Com certeza dariam um espaço especial na terceira página do Die Zeit para Wim Wenders escrever suas idéias sobre a vida e a morte. Mesmo que não sejam originais. As imagens do filme são bonitas porque a cidade tem a beleza especial da decadência em estado bruto. Daquilo que já foi bonito e rico e que agora é velho e pobre e por isso está mais vivo do que nunca. Escolher essa cidade para filmar foi pelo menos uma boa intuição daquilo que o filme não foi. Mas eu a conheci no verão passado. E olhar para ela na garupa de uma vespa, com o vento de verão soprando no rosto é a vida de verdade, que eu não preciso do personagem do filme para viver. Talvez você se divirta com a trilha sonora, mas para isso bastaria o seu ipod.
Tem um carro de bombeiro estacionado há dias bem aqui na beira da floresta. Eu fico pensando se é comum ter incêndios nesta época do ano. Eu fico pensando se o fogo tem força suficiente para queimar debaixo dessa neve toda. Eu não me admiraria se tivesse. Eu penso no fogo-fátuo que se vê queimar nos cemitérios. E de repente tenho esperança de novo.
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