domingo, 16 de agosto de 2009

morro gaúcho


hoje eu fui na praça ver o pôr-do-sol. eu fiquei feliz quando descobri que poderia ter desde esta praça a mesma vista que tínhamos de nossa varanda. apenas em outro ângulo. é como se eu pudesse vir aqui revisitar o meu passado, sem ter que voltar a ele. é como estender meu pano na grama, sentar, deixar as pupilas se ajustarem ao horizonte, respirar fundo o ar seco da cidade para então olhar eu própria à distancia, antes. a praça estava lotada. quando faz calor, há mais gente na praça. e menos casacos de inverno. nada se compara à liberdade de não precisar de roupas pesando nos ombros. a temperatura finalmente subindo. olhar para o céu bem grande acima de você e pensar que nada te separa da atmosfera. que a pressão do céu bate diretamente e de forma macia na sua pele. encosta nos pelos do seu braço e produz uma espécie de cansaço nos músculos. as pessoas formavam pequenos clusters espalhados pelo gramado íngreme da praça. cachorros, crianças, mochilas, livros. ipods. cervejas. pessoas sentadas. pessoas deitadas. pessoas de pé. uma mulher que não se cansava de ouvir a própria voz. o grupo de operários da construção civil entre os garotos da classe media de pinheiros. uma paisagem que não parecia deslocada no contexto da praça. as conversas às vezes se misturaram. os olhares às vezes se cruzavaram. faltam poucos minutos para o sol se por. mas dá para ter pelo menos meia-hora a mais de dia depois que ele se vai e as pessoas o aplaudem. eu gosto de viver até o final a meia hora depois que o sol se põe. um pôr-do-sol é como um ritual de homenagem aos fins. pois eles são tão importantes quanto os começos. e parafraseando o filme eu me perguntei quantos pôr-de-sóis mais eu assitirei na vida? eu me imaginei protegida pela beleza daquele céu laranja-amarelo-azul-claro-azul-escuro e não tive medo da resposta. foi como se apenas essa visão já valesse a pena. a resposta à minha pergunta vai ser a que tiver que ser. na minha cabeça toca naked if i want to.
uma mulher chega acompanhada de dois poodles. ele conta que eles costumam ter um temperamento estranho. no começo eles são muito ansiosos e passam alguns anos vivendo como se estivessem no auge de uma crise psicótica. mas depois de um tempo se transformam no cachorro mais inteligente e companheiro que há. talvez os poodles sejam só uma metáfora em um filme sobre comming of age na sociedade de hoje. talvez por isso tenham se tornado tão populares.
eu pensei nos domingos em que eu me sentava na nossa varanda e assistia ao pôr-do-sol enquanto vc dormia no quarto. o silêncio que representava uma calma que não existia. a lembrança desses pôr-de-sóis me pareceu triste e solitária. um lugar de onde as pessoas da praça não existem. nem os poodles, as crianças, as cervejas e os ipods. entender uma coisa apenas com um sentimento é como ter um calafrio que te faz sentir exatamente a relação entre a temperatura do seu corpo e a temperatura do ar.
eu tenho agora uma outra varanda. e é como se dela eu pudesse tocar tudo o que eu vejo. é sentir-me mais perto. onze andares mais perto da realidade. e a realidade não é ruim. de qualquer maneira, ter uma varanda é o que dá certeza de que vc escolheu viver. se vc tem uma varanda, leve uma almofada e um cobertor para lá. deite-se no chão fresco. ligue o seu ipod no modo shuffle e olhe o céu. haverá um momento em que donavan cantará the season of the witch só para você. depois belle & sebastian ressoará ao longo de toda a distancia que separa a sua varanda até o chão da rua: yes, she’s losing it.

2 comentários:

epicuro disse...

sincronicidade tardia: ontem eu fiquei mudo ao ver o pôr-do-sol da nossa varanda. desprotegido.

leila fletcher disse...

de fato. muita. é q eu acho q tecnicamente só podemos falar em sincronicidade qdo somos dois