sábado, 3 de janeiro de 2009

Estranha a sensação de viver, mesmo longe de quase tudo. Se eu te contasse a ordem cronológica dos meus dias é quase certo que nada fosse te interessar. Como conjugar verbos no tempo passado, fico pensando onde você estaria se eu estivesse com você agora. Fico me perguntando como podemos habitar o mesmo instantes se até mesmo os nossos relógios marcam tempos diferentes. Sinto saudade quando os ponteiros se desencontram. Sinto saudade quando nada pode trazer de volta o que nunca mais será. E é ruim. Saudade não é nostalgia. Já chegamos a esse consenso.

Hoje fez frio aqui. Amanha, segundo os meteorologistas, teremos 13 graus na parte da manhã. hoje comi. E isso não me deixa feliz. Acordei tarde com minha mãe batendo na porta chamando para o almoço no Polartur, um hotel em Estrela onde esperávamos comer bem. Enganamos. Sempre nos enganamos quando esperamos demais dos lugares que nos cercam. Aqui não é aí. Infelizmente. Almocei com os meus pais, meu sobrinho, minha irmã e meu cunhado. A televisão estava ligada. Em quase todos os restaurantes da região existe uma televisão ligada sintonizada na Rede Globo. Almoçamos assistindo ao Jornal Hoje. E não foi tão ruim assim. Na saída passamos pelo hall do hotel onde um bar decorado com azulejos com imensas flores cor-de-laranja me chamou a atenção. Chamei a atenção da minha mãe mostrando a beleza daqueles azulejos antigos formando flores de cores quentes com marrom. Ela achou horrível. Minha irmã também. Senti pena daquelas paredes de azulejos que, se dependessem das mulheres da minha família, seriam substituídas por um revestimento novo e moderno. Lembrei de Berlim onde o antigo é novo e onde o que permanece se confunde com o belo. E senti raiva delas. E senti raiva do povo daqui que não encontra beleza no que existe há mais tempo. Pensei no tempo. Nas atrocidades que se cometem contra ele. Contra mim. contra o que nos faz bonitos. Depois esqueci para continuar vivendo em família.

De tarde fui visitar os meus avos. Minha vó na sala contando sobre a solidão. Meu avô no quarto com um botijão de oxigênio ao lado da cama e uma enfermeira folhando uma revista sentada na poltrona. Na capa da revista estava escrito “Você é um gênio?” e eu não soube responder. Tentei conversar com meu avô, mas ele não estava mais lá. olhava para mim e, pelo seu olhar, percebia que os canos pareciam machucar os seus ouvidos. Ele estava coberto e parecia bem aquecido na tarde desse sábado de inverno no meio do começo do verão. Minha avó chorou no corredor. Chorou na sala olhando para os porta-retratos dos seus netos. Para as fotografias tiradas antes de agora. reconheceu o tempo como passado, talvez pela primeira vez, e aquela triste constatação era um fato que não poderia ser negado. Nem camuflado. Nem esquecido. A sabedoria, às vezes, é insuportável demais. É preciso cuidado com ela.

À noite familiares se reuniram aqui em casa e minha mãe fez lasanha e ficou bêbada antes de servir o jantar. Eu bebi vinho e ela bebeu cerveja e os primos riam na mesa e todos falávamos línguas tão diferentes. Diferentes o bastante para, no fundo, serem entendidas. Antes de chegar ao fim eu peguei uma garrafa de vinho e um DVD do David Bowie e fui para a casa da minha melhor amiga. Para a garota que eu conheço há quase quinze anos e que me conhece tanto quanto você.

Ficamos na sala bebendo vinho e assistindo aquelas imagens e conversando sobre nós mesmos. No meio da noite Sara chorou e minha amiga trouxe a pequena nos braços. Enquanto ela preparava uma mamadeira a pequena deitou nos meus braços sentindo o balanço da rede. Ficamos um tempo em silencio. Eu acariciando os seus pezinhos pequeninos e ela olhando para mim. dentro dos seus olhos enormes e azuis eu tentava encontrar o mundo aos onze meses. Depois ela tomou o leite e voltou para a cama flutuando sozinho nos braços da mãe. E eu senti saudade de um tempo que nunca passou. Quando eu era pequenino e sobrevoava o mundo no colo de todos os mais velhos da minha família. Menos no seu, mãe.

A cidade chovia e era uma noite de inverno no meio do verão. Alguns bêbados conversavam em frente ao posto de gasolina. Poucos carros na frente da única danceteria da cidade. nenhum garoto andando sozinho pela cidade. nessa noite não há lugar para mim. se você estivesse aqui, não haveria lugar para nós.

Em casa comi alguns chocolates sentindo medo de engordar. Eu deveria ter vomitado. Mas não vomitei. Eu deveria estar dormindo. Mas não estou. Eu deveria estar com você.  Mas o mundo consegue sempre encontrar algum jeito de testar o quanto eu sou capaz de esperar.

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