quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

another day, just believe. another day, just breathe...

algumas imagens se repetem. o grupo de crianças do jardim da infância que atravessam a rua de mãos dadas. o velho de casaco azul-marinho que sobe pelo caminho da floresta todos os dias às 11 da manhã. a neve cobrindo a cidade de branco. eu chegar todos os dias na sala de leitura e ter uma conversa rápida sobre o tempo com kate. eu dar bom dia para os três poloneses, o chinês, o coreano, a iraniana e a alemã que sentam comigo. os dias começam sempre com a promessa de que serão equilibrados. de que tudo estará em seu lugar. de que as horas transcorrerão calmamente. de que as coisas serão como deveriam ser. ainda que eu não saiba direito como elas devem ser. todas as manhãs começam com eu acreditando que algo produtivo será feito assim que eu tomar a minha primeira xícara de café e verificar os meus emails. a minha turbulência interna está ainda adormecida e eu quase chego a acreditar que terei um dia fácil. eu tento me organizar. planejar. coloco ao meu lado os textos que pretendo ler. faço uma lista com os meus objetivos. desafio frontosamente a liberdade que acabei de conquistar. mas quando essa ameaça se apresenta alguma coisa acontece comigo. um tipo de efeito colateral inesperado. algo que soa como o despertador que eu deixei de usar. ou como a música alta que eu não posso ouvir enquanto trabalho nesta sala coletiva. eu nunca sei de onde virá o sinal dessa ameaça, diante da qual o meu corpo reagirá automaticamente. o conteúdo de algum email desinteressante que me chega. a nova exigência de um novo relatório que dirá coisas já ditas. às vezes a minha própria lista de afazeres toma a forma do perigo que minha auto-defesa saberá reconhecer. então eu sou capaz de ver uma espécie de força rebelde se instaurando aos poucos dentro de mim. algo que no início me ataca de modo sútil. que vai devagar minando a minha concentração. minando a minha determinação. vai pouco a pouco atingindo a base da minha auto-organização. e passa então a questionar o princípio de legitimidade das minhas próprias regras, dos objetivos que eu mesma havia estabelecido para o dia. uma a uma minhas certezas vão sucumbindo. outras coisas me parecem mais urgentes. mais necessárias. e eu me alegro com a constatação de que eu ainda posso me proteger. a paisagem me lembra que há muito a explorar aqui. o velho das onze horas e sua rotina são os figurantes perfeitos do cenário que eu crio para a minha guerra particular contra o tédio. eu de repente perco o controle sobre o meu próprio computador e meu mouse passa a percorrer livremente destinos não planejados. a tela em branco, quando se apresenta, exige também uma decisão crucial. um momento dedicado à comprovacao do livre arbítrio, pois ela é em si mesma a imagem da possibilidade. pode começar a ser preenchida de qualquer modo. uma palavra escrita dirá o destino do meu dia. eu poderia finalmente começar a escrever o texto dogmático que tenho prazo para entregar. mas quase sempre eu acho que vale a pena fazer algo diferente com a minha língua. algo que possa fazer mais sentido para mim mesma. então eu deixo a minha consciência decidir sozinha e minhas mãos agirem como quiserem. eu perco o interesse pelo controle e reajo instintivamente aos estímulos que me chegam de remetentes anônimos. quando uma pausa se faz necessária é sempre possível subir na cafeteria e começar uma conversa interessante com algum desconhecido de algum país longínquo. há sempre muito a se descobrir nos intervalos para o café. a essa altura do dia eu já dei tempo suficiente para que todas as minhas contradiçoes despertassem. eu tomei café suficiente para alimentá-las. eu ouço ruídos vindo de dentro de mim. eu sinto que se aproxima o momento em que eu declaro que o dia já está perdido. e isso quer dizer que eu cheguei a uma espécie de point of no return. eu não sei explicar muito bem o que determina que isso aconteça. talvez anoitecer às quatro e cinquenta da tarde ajude a colocar tudo a perder. ou a ganhar. a noite chega e sempre me surpreende. também é cheia de promessas. a identidade deste dia vai então se construindo com a consciência das horas perdidas e a promessa das horas que restam. logo esse será um momento irrepetível na sucessão do que ao final eu chamarei de vida. a personalidade desse dia então se extende retrospectivamente a partir da existência presente do passado. e às nove e cinquenta da noite eu finalmente chego à consciência de que as horas passadas sem controle durante o dia de hoje é ao mesmo tempo o fundamento e a causa do meu presente.

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