terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Depois do primeiro gole de vodka, Adam perguntou a minha idade. Eu respondi e devolvi a pergunta. Trinta e dois, ele respondeu. Mas em seguida acrescentou, mas estou quase morto. A palavra em alemão era Gestorben. E eu fiquei tão surpresa com essa frase, que achei que não tinha entendido bem. Eu pedi para ele repetir e ele repetiu calmamente, com a maior sinceridade que eu já vi alguém ter com uma estranha que lhe concebera menos de meia hora de conversa: EU ESTOU QUASE MORTO. Eu fiquei sem saber o que responder. Eu sabia que a frase não precisava ser explicada. De alguma forma eu já havia percebido os sinais externos disso, só não havia podido enunciar de forma tão clara. Percebi o quanto a sinceridade pode surpreender e quantas vezes a evitamos. Quantas coisas fingimos não ver e, quando as vemos, preferimos não nomear. Pensei em quantas pessoas poderiam ser declaradas como mortas aos trinta anos de idade, mas não teriam coragem de dizê-lo. Preferimos eufemismos na maior parte do tempo. Talvez pretendemos evitar o efeito performativo das palavras. Eu preciso entender melhor esse fenômeno lingüístico que está explicado naquele livro que eu nunca li. Porque eu quero fazer coisas acontecerem e não mais evitar que elas aconteçam. Ainda que seja quase sempre muito difícil encontrar as palavras certas, eu poderia pelo menos tentar. Eu quase não consegui encontrar palavras para responder a Adam e eu sabia que desta vez o meu problema não era a língua estrangeira que eu falo aqui. Eu pensava se deveria de alguma forma amenizar a situação e achei melhor não. Como não poderia contrariar a constatação, achei que seria injusto romper o pacto de sinceridade que de repente se estabelecera entre dois estranhos que habitam mundos tão diferentes. Eu decidi tentar. Que bom, Adam. Porque só assim você poderá nascer de novo. E o quanto antes você descobre que está morto, melhor. Ele ficou em silêncio. E eu repeti, você pode nascer de novo agora, Adam. E ele não disse uma palavra. Talvez estivesse pensando como poderia enterrar a sua velha vida. Ele havia contado de todo o trabalho que tem na universidade. Carga horária excessiva e responsabilidades. Angústia com a sua tese de habilitação e incerteza quanto à vaga definitiva de professor. Tudo isso deveria ser enterrado. Ele se orgulhava de ocupar uma posição na hierarquia acadêmica e de ter escrito um livro. E isso também não lhe valeria mais de nada. Ele teria que se livrar de tudo isso para poder nascer de novo. Não se leva títulos para uma nova vida. É mais fácil enxergar o leque quase infinito de possibilidades quando se é ninguém. Não se começa uma vida nova sendo funcionário público da Universidade da Cracóvia. E Adam sabia disso, mas evitou dizê-lo. Espero que não demore toda a sua não-vida para fazê-lo.

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