terça-feira, 2 de dezembro de 2008

There's a kind of darkness here

Era fim de tarde no domingo e eu achei que pudesse enganar a solidão. Eu achei que se eu cansasse o meu corpo, minha cabeça também se acalmaria e eu poderia dormir. Então decidi correr pelo caminho que leva à floresta, seguindo o trilho do trem. O trem parado na estação e eu podia olhar dentro dos vagões e reparar nas pessoas que estavam sentadas ali. Elas pareciam protegidas pela luz amarela que já estava acesa embora ainda não fosse noite. Pela calefação que as aquecia. Por seus companheiros e filhos. Por seus livros. Por terem um destino certo. A paisagem do trilho do trem depois que ele passa é sempre triste. Um caminho já sem promessas, que eu perseguia sozinha. Carcaças abandonadas ao tempo, que eu testemunhava em meu silêncio triste. Eu logo me afastei da cidade e subi pelo Waldweg. Ficava cada vez mais frio dentro da floresta onde o pouco sol que tivemos durante o dia provavelmente não havia podido penetrar. Eu achei que pudesse enganar a natureza. Eu achei que teria energia suficiente para aquecer o meu corpo. Mas a temperatura baixou rapidamente e eu estava longe. A floresta me atraía, como a morte. E eu tive que levar a sério um dialogo comigo mesma em bases pretensamente racionais para me convencer que a melhor coisa a fazer era voltar. Eu tentei fazer o caminho de volta correndo o mais rápido que podia. Eu tentei elevar a temperatura do corpo com o esforço que fazia, mas isso não era suficiente. Ninguém vence um frio de graus negativos só com a boa vontade do metabolismo. Muito menos eu. Eu sempre achei o meu metabolismo lento. Quando eu precisei de ar, ele estava gelado. Era já quase matéria e doía quando abria caminho pelo meu corpo. Eu ficava cada vez mais cansada e minha respiração mais rápida e ofegante. E assim eu fazia entrar cada vez mais ar congelante no meu corpo. Maldito círculo vicioso congelando minha garganta e meus pulmões. Formando pedras de gelo doloridas em meu peito. O gato preto finalmente pulou nas minhas costas e eu senti de uma vez todo o medo que se pode sentir quando se está diante de um gigante. Eu chorava e as minhas lágrimas gelavam o meu rosto. Eu senti o terror me paralisando. O que aconteceria se eu não conseguisse voltar a tempo ou se eu simplesmente desistisse? Eu seria só mais um número na cota dos mortos em razão de fenômenos naturais. Como os que se afogam nas enchentes. Poderiam até dizer que eu morri de morte natural. A floresta seria inocentada. Eu havia empreendido uma demonstração esquisita de coragem e desprendimento e deveria assumir a responsabilidade de ter desafiado a natureza e me arrependido quando já era tarde. Como aqueles que se jogam da ponte e não podem mais voltar. Eu sempre me pergunto sobre a última coisa que eles puderam pensar. Eu não pensava em nada, só tentava voltar atrás. Eu corria na direção contraria do trem e quando a luz brilhante do seu farol passou por mim novamente ela não me aqueceu. O seu barulho nem sequer se diferenciou do barulho amplificado da angustia ecoando dentro da minha cabeça. Eu escondia as minhas mãos na manga da minha blusa e apertava forte. Eu costumo fazer isso quando sinto que posso escapar pelos dois buracos da manga. É uma tentativa de permanecer. Quando eu finalmente cheguei em casa, minhas mãos tremiam tanto que foi muito difícil encaixar a chave no buraco da fechadura. Eu a deixei cair duas vezes no chão, porque não sentia mais minhas mãos. Meu corpo inteiro tremia de uma febre fria. Eu passei mais de uma hora embaixo da água quente, tentando retomar o ritmo da minha respiração. E eu não conseguia parar de sentir frio. Havia pedras de gelo dentro de mim que demoraram para derreter. Havia uma espécie de escuridão profunda em mim. A escuridão que me levou para o meio da floresta congelada. A mesma escuridão que fez você ter medo a tantos quilômetros de distância, no mesmo fim de tarde melancólico de domingo. O mesmo medo de quem toca a escuridão. A mesma escuridão pela qual nos apaixonamos.

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