quarta-feira, 10 de dezembro de 2008


Hoje o dia amanheceu nevando. Os muitos graus mais frios fizeram com que toda a água que choveu e que continua chovendo se transformasse. Deixasse de ser fluído sujo e desagradável. Da janela vejo os carros coloridos cobertos por uma grossa camada branca. As árvores já sem folhas também se coloriram de branco. A neblina espessa esconde a floresta. A realidade parece em suspensão. Enquanto eu ando na rua, a neve se acumula nos meus ombros. Eu ando devagar e a deixo ficar por um tempo. Até o cachorro preto mudou de cor hoje. Tudo parece mais calmo quando coberto pelos flocos macios da neve. As moléculas não se mexem tanto. Descansam.
O inverno aqui parece estar num momento de constante incerteza. Não há equilíbrio possível. Os estados são sempre passageiros. Nada se mantém por muito tempo. A cada novo dia, algo novo pode acontecer. E dependendo da sorte de cada dia, o novo pode ser bom ou ruim. Um dia temos chuva e não faz tanto frio. Um ou dois graus a mais faz tudo congelar. O gelo é diferente da neve. Tem uma violência transparente e rígida que pode machucar. Ontem um homem fazia um esforço enorme para arrancar o gelo do capô de seu carro e poder ir para o trabalho. Os flocos de neve de hoje se deslocavam com facilidade e obedeciam a seu toque gentil. A neve quando acontece parece um milagre. Algo bom que pode acabar logo. E nos faz pensar sobre a urgência de se contemplar as belezas efêmeras. Um ou dois graus a mais a fará derreter. E isso acontecerá nas próximas horas. A umidade poderá a qualquer momento invadir o nosso corpo de novo e dissolver o nosso estoque de auto-estima.
Engraçado notar que a mesma matéria pode ter humores tão diferentes. Pode mudar tantas vezes sendo a mesma. Uma identidade que só se percebe na mudança. Eu me sinto cada vez mais parecida com o clima local. Minha matéria muda de estado muitas vezes ao longo do dia. Às vezes eu chovo pingos pesados e violentos. Mas sem perceber, posso parar de machucar e virar apenas uma garoa irritante. De vez em quanto eu congelo dentro de mim mesma. E tenho que fazer força para arrancar as placas de gelo com as quais eu tento me sufocar. Eu também posso anoitecer antes das cinco da tarde e me abandonar na escuridão. Na escuridão triste de uma noite sem lua. Há dias em que flutuo protegida pelo fog cinzento e me sinto bem com o fato de não poder ser vista. Mas eu também posso amanhecer macia e luminosa como a neve. Calma e silenciosa como a cor branca. E descansar sob a certeza de que em pouco tempo não serei mais. Não estarei mais aqui e minha beleza não poderá mais ser vista
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