terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Uma cerimônia solene de desocultamento

Você veio conhecer o meu mundo. E caminhou por ele como se já conhecesse. Quando eu enfim te reconheci, era como se já não houvesse surpresas. Eu te levei aos lugares certos e te mostrei as paisagens certas. As escolhas que agradariam a mim mesma, já que quase sempre observamos o espaço exterior do mesmo ângulo e fixamos nossa atenção nas mesmas coisas. Talvez mais que mero acaso. A alegria de te encontrar poderia ser a alegria de encontrar a si mesmo pelo mundo. Reconhecer-se para além de si. Desafiar a atomicidade. Alterar os limites das coisas. Irradiar. Talvez sejam esses os desejos primários de todos nós. O fundamento da socialização e o fundamento de tantas frustrações. A origem da solidão: um alter que não encontra um ego e desaparece. Encapsula-se em suas necessidades individuais básicas até que um dia simplesmente não estará mais lá. Não aparecerá mais no trabalho. Abandonará a família. Passará pela portaria sem ser visto. Falará sozinho até que sua voz se transforme no barulho do vento.
Tantos mortos precocemente por não reconhecerem o desejo pelo outro no desejo de si e de sobreviver a si. Sobreviver nas coisas que escrevemos e que desenhamos. Nas fotos que tiramos, nas histórias que inventamos, nas paisagens que construímos. Desafiando as patologias dos nossos próprios egos, testamos as coincidências e repassamos as semelhanças. Exercitamos telepatia. Fingimos para os outros que somos um só. Expomos a cumplicidade a toda espécie de desafio, para saber que ela estará sempre lá. Brincamos de descrever as imagens que guardamos na memória, para ter certeza de que teremos o mesmo repertório nos momentos de nostalgia. Uma caixa de primeiros socorros para as noites difíceis. Um dèja vu de si mesmo em estado de calma. Como os coelhos de Alice que romperam com o tempo na hora do chá, poderíamos passar a vida toda ao redor de duas xícaras. Bastando-nos e sendo de novo capazes de rir do resto do mundo.

Um comentário:

geheimnis disse...

slow blogging. estamos conectados em nós. e no mundo.
missiou.