segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A room in the middle of nowhere

O garoto loiro de olhar triste escreve o mesmo email há mais de uma hora. Talvez uma carta de amor. Talvez uma carta difícil para o seu orientador de doutorado. Talvez uma carta rompendo com sua noiva na Polônia. Ele relê muitas vezes o que escreveu. Os olhos fixos na tela do computador e o corpo imóvel. Eu poderia dizer a ele, don’t think twice it’s all right. Mas não tive coragem de romper a barreira da pseudo-individualidade que tentamos manter por aqui. Eu digo pseudo pois é bem difícil não ser percebido nos menores movimentos quando se compartilha a mesma sala silenciosa de leitura por pelo menos 8 horas por dia. Sentada na minha mesa perto da janela, eu sei quando alguém decidiu dormir até mais tarde. A que horas cada um costuma almoçar. Quando alguém recebe um telefonema importante. Eu percebi que o levantar de quem vai pegar um livro na estante é diferente daquele de quem vai ao banheiro. De alguma forma todos respiram o mesmo ar melancólico nesta sala. Kate se lamenta todos os dias porque está longe de seu namorado, que vive em Paris. E longe de sua casa no Canadá. Ela vive aqui há 2 anos e deve ficar pelo menos por mais dois. Mas é como se não estivesse aqui. Ela não vive nela mesma. Sempre fala em estar e outro lugar. Sempre fala em estar em outro corpo, talvez mais magro e com seios menores. Sempre pergunta como vai o meu trabalho e eu sempre respondo ganz gut, embora esteja tudo indo bem devagar. Eu só não tenho a mínima vontade de lamentar pelo trabalho não feito. Ela também poderia fazer isso, mas não. Sempre responde com um pequeno suspiro preocupado e reclama de algo. As coisas não vão como gostaria. A organização do texto está difícil. O tempo está ruim e a chuva do caminho a fez molhar seus rascunhos. Ele perdeu muito tempo tirando cópias ou se alimentando na última semana. Me dá uma certa tristeza ver alguém que simplesmente decidiu abandonar-se por quatro anos. Eu penso no tempo desperdiçado. Na vida desperdiçada. E acho que escrever um doutorado não vale tudo isso. Não vale vitimizar-se perante o mundo.
O homem suíço que chegou nesta semana não parece humano. Cabelos raspados, óculos modernos e camisas bem passadas. Homo faber. Homem-máquina concentrado em seus afazeres sistêmicos Eu me apresentei por gentileza, ele sorriu. Ele quase não faz barulho. Eu também não. A mulher iraniana de um metro e meio também não.
Adam usa diariamente calça social e a mesma gravata quadriculada por baixo do mesmo pulôver bege. O cabelo penteado para o lado direito parece uma reminiscência de quatro décadas atrás. Tem um sorriso doce e está sempre disposto a iniciar uma conversa sobre o que quer que seja, como se fosse a coisa mais importante do mundo. E essa conversa durará algum tempo. Ele coordenará a conversa com gestos comedidos e sérios, quase senis. Tentará usar de alguma ironia, para tornar o seu discurso mais agradável. Mas ao final, um silêncio invencível virá. O silêncio de quem agarra com todas as forças os pequenos momentos de atenção que recebe, mas não os consegue segurar por muito tempo. Há tipos diferentes de silêncios. O silêncio que termina a conversa de Adam parece fazê-lo sofrer, pois simboliza o seu fracasso. Eu normalmente gosto dos silêncios e na maior parte do tempo acho que eles não precisam ser preenchidos. Para mim, eles têm vida e significados próprios. Não são apenas o negativo de algo. Gosto muito de fazer silêncio ao seu lado, por exemplo. E comprovar que nosso amor também é feito de silêncios. Eu gostaria de explicar isso a Kate. De explicar que, assim como os silêncios, a solidão também pode ser de dois tipos. Há uma solidão que não consegue ser, porque é apenas falta, apenas não-estar-com-alguém. Esta logo deixa a marca do desejo frustrado e faz não se ter vontade de viver no lugar onde se está. É uma solidão que vem da saudade de si mesmo e eu acho que solidão de si mesmo é a coisa mais triste que pode acontecer. A outra forma de solidão é uma solidão que ganha corpo próprio e por isso deixa de ser solidão, vira companhia. Uma companhia agradável, que traz um inesperado e calmo auto-centramento. Que nos faz perceber que normalmente queremos mais do que precisamos. E que o que precisamos é de mais espaço. Espaço para que nossos desejos se espalhem de modo mais confortável. Decidam livremente o que querem fazer a cada momento. Para onde querem ir. Decidam sozinhos se querem voltar ou não para casa. A que horas querem comer, se é que querem comer. A que horas querem acordar, sem ter que usar despertador. Agora eu me sinto muito bem com a minha solidão. Eu percebi que posso ir a muitos lugares só com ela. Ela me faz olhar para o que há ao meu redor e enxergar o que eu tenho ao alcance das mãos. E me divertir com o que quer que eu encontre. Pois quase sempre é possível se divertir quando deixamos de nos lamentar pelo que não temos. Com ela posso sentir saudades de você e não me perder. E não te perder. E perceber que não sofremos de nenhum tipo de patologia crônica que leva ao sufocamento. Que só assim a felicidade do encontro poderá acontecer. Que o nosso amor é também feito de silêncio e solidão e é por isso que eu gosto dele. Eu conheci a minha solidão e percebi que ela me faz bem porque me diz o tempo todo:
enjoy yourself! Eu queria que as outras pessoas desta sala silenciosa também pudessem ouvir a voz da minha solidão.

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