quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Cut out all the ropes and let me fall

O lugar onde eu habito também é um mistério para mim. Eu o estou descobrindo aos poucos novamente. Eu estava errada quanto aos lugares permaneceres iguais. Nunca se pode estar em um mesmo lugar duas vezes. Porque os lugares dependem de nós para existir e nós nunca somos os mesmos duas vezes. Isso nos coloca de novo diante da velha questão existencial sobre se as coisas permanecem lá quando não estamos olhando para elas. Nunca saberemos. Apenas supomos. Uma crença como qualquer outra. Mas eu não quero falar de crenças. Quero falar da experiência de viver a situação complexa de estar entre memória e presente. De não estar mais no mesmo lugar, por não conseguir repetir o mesmo ângulo de visão. De perceber que tudo se faz novo. O novo e o velho são igualmente submetidos ao mesmo exercício de renovação que acontece com o olhar seguinte de uma pessoa que é diferente da que olhou antes. Não é uma questão de decisão. Não é possível repetir o mesmo. Aquele que se diz o mesmo está blefando. No mínimo, se diferencia do que foi antes porque carrega agora o peso da continuidade. O fardo triste da continuidade. O dado da não mudança já o faz outro. Mais pesado talvez. Mais cansado de lutar contra o sentido natural da vida. Por isso eu não acredito em repetições. Elas nunca acontecem de fato. A lembrança e a promessa sempre se interpõem entre os atos que se dizem repetir. A segunda vez nunca será a primeira. E será também diferente da próxima. Ainda que nos esforcemos para. E logo vem o momento decisivo em que um conjunto de atos de repente pode ser chamado de hábito. Uma sentença declaratória sem limite definido. Lógica fuzzy aplicada à cotidianeidade. Uma vez um professor me explicou o que é isso propondo a seguinte pergunta: quantos fios de cabelos é preciso restar em uma cabeça para que finalmente possamos chamar um homem de careca? Não há um critério quantitativo possível. Eu não gosto de critérios pré-estabelecidos. Chamo de hábito qualquer coisa que tenha vontade de viver novamente. Como se esse status me trouxesse a garantia de que vou realizar um desejo. Eu gosto de hábitos. E gosto ainda mais deles agora que sei que não são repetições. Eles revelam coisas muito especiais sobre cada um que os adota. Pequenas portas para subjetividades incríveis. Você tem o hábito de ouvir vinis e talvez eu também o teria se tivesse finalmente comprado a minha vitrola. Então eu adquiri o hábito de ir na sua casa ouvir vinis e dançar na sua sala. E pouca coisa neste mundo me faz me sentir tão livre quanto ter o hábito de dançar na sua sala. Parece paradoxal, mas não é. Uma vez nunca é igual à outra. Você sempre tem músicas novas para me mostrar e sempre consegue manipular os meus sentimentos com a sua música. Cria montanhas de sensações e depois as derruba. Me faz subir bem alto e depois corta a corda para que eu possa sentir a sensação mágica da gravidade. Schmetterling im Bauch. Atraídas pela sua música, as borboletas escapam por nossas bocas e voam pela sala, voam pela janela. Pousam na árvore que fica em frente a sua janela e presenciam silenciosamente o ritual rebelde do hábito. Nesta noite eu habitei a sua sala. E poderia acampar no seu tapete verde, ao lado da sua vitrola, sem nunca me entediar.

Nenhum comentário: